
por Vinícius Figueiredo de Oliveira
Uma fração considerável da leitura realizada atualmente é mediada pelas telas. Nós lemos em computadores, tablets, smartphones e leitores de livros digitais, uma multiplicidade de dispositivos que eram inconcebíveis há poucas décadas.
A praticidade trazida por esses meios é incontestável, entretanto, com a recente popularização, é natural que nos perguntemos o impacto que tal mudança pode trazer na compreensão que fazemos dos textos, principalmente se a compararmos com a apreensão do conteúdo nos recursos impressos.
Visivelmente, há desvantagens em usar telas: notificações, hiperlinks, e, quando lemos páginas da web, propagandas, pop-ups e outros elementos nos distrai da leitura. Mas esse não é um grande problema quando usamos um leitor eletrônico, que restringe o conteúdo exclusivamente ao texto. O problema das interferências durante a leitura no celular ou nos computadores também pode ser revertido se desativarmos notificações e se usarmos aplicativos que “limpam” as páginas.
No entanto, além de ressaltar as – reversíveis – desvantagens, é necessário destacar as várias óbvias vantagens da leitura em telas: acesso rápido, caso o texto esteja disponível na internet; aquisição facilitada, pois o livro aparece no e-reader assim que o pagamento é processado; preço, uma vez que os livros digitais tendem a ser mais baratos; economia de espaço, já que você pode guardar inúmeros livros em um dispositivo de menos de 200 g e de 1 cm de espessura – uma economia para os viajantes e moradores de apartamentos pequenos; dicionário embutido, para decifrar palavras com um click; e tudo isso sem falar das vantagens para o meio ambiente com relação à redução do uso de papel.
Ainda assim, os saudosistas podem dizer que o material impresso conta com uma vantagem evidente e insubstituível: a apreciação e a experiência sensorial. Todavia, isso diz respeito à percepção individual, a qual pode não ser representativa da população.
Portanto, para compreendermos as potencialidades e limitações no nível da compreensão do texto, não basta ouvir alguns poucos indivíduos. Precisamos, sim, de investigações científicas com métodos adequados. Algo parecido tem sido feito pela pesquisadora norueguesa Anne Mangen e sua equipe, que se dedica a investigar as diferenças cognitivas e afetivas entre a leitura de textos em versão impressa e digital.
Em um experimento, Mangen, Olivier e Velay (2019) pediram a estudantes que lessem um conto e depois respondessem a um questionário. Metade dos estudantes leu em um leitor de livros digitais e o restante em um livro de bolso. Os resultados apontaram que os dois grupos tiveram um desempenho idêntico nos testes sobre a compreensão do texto, com exceção de um tópico: nas medidas relacionadas à cronologia dos eventos do enredo, que foram maiores no grupo que leu o livro de bolso.
A hipótese levantada por Mangen e sua equipe é a de que o “feedback cinestésico” dos leitores eletrônicos é menos informativo, de tal modo que pistas concretas associadas à posição dos eventos seriam restritas àqueles que leem no material impresso. Ou seja, a manipulação das páginas do livro é possivelmente uma dica sensório-motora que participa da organização temporal da história!
Mas será que outros estudos encontram o mesmo padrão? Nem sempre (Wolf, 2019). Na verdade, os resultados são extremamente diversos e dependem de quais variáveis estamos considerando. Para responder melhor a essa questão, vamos recorrer a uma revisão sistemática e metanálise (Clinton, 2019).
O trabalho apontou que há uma ligeira, porém significativa, vantagem da leitura em texto físico no que diz respeito à compreensão de textos expositivos, tanto no entendimento literal quanto inferencial da leitura. Além disso, um dado importante é que, comparado à leitura em telas, o ato de ler em texto físico foi associado a maior automonitoramento, isto é, à verificação constante feita pelo indivíduo de sua própria compreensão enquanto lê.
Ler em textos físicos também esteve relacionado ao melhor julgamento sobre o quanto, de fato, o leitor está assimilando da leitura realizada, ou seja, os indivíduos nessa modalidade de leitura tinham mais consciência do quanto estavam entendendo ou não.
Os dados citados podem estar inter-relacionados, e esta é a hipótese levantada pela autora: indivíduos com melhor automonitoramento, possivelmente, estão mais concentrados, conseguem inferir melhor o quanto estão entendendo e são capazes de tomar as devidas atitudes para reverter as incompreensões. Contudo, um menor automonitoramento impediria o leitor de corrigir todas as dificuldades de compreensão que ele possa vir a ter.
E por que haveria essa diferença entre a leitura realizada nessas duas modalidades? Uma possibilidade é a de que as telas têm uma sugestão contextual de lazer e menor engajamento cognitivo do que um texto físico, já que usamos as telas, com muita frequência, para passar o tempo.
Dessa forma, talvez investiríamos menos recursos cognitivos para realizar a leitura em telas do que no papel. Se isso for o que efetivamente ocorre, talvez seja possível reverter essa ligeira desvantagem da leitura em telas, ao sugerir que os indivíduos monitorem sua leitura nesses contextos. Reitera-se que os estudos ainda são muito heterogêneos, e precisamos esclarecer melhor alguns achados.
De qualquer forma, o objetivo deste texto não é desincentivar o uso de equipamentos eletrônicos para a leitura – seria muita hipocrisia da minha parte, já que a imensa maioria da leitura que faço é por esse meio. É necessário apenas deixar claro que as vantagens e desvantagens de cada modalidade de leitura não estão totalmente esclarecidas, e, enquanto a investigação continua, nós podemos usufruir dos benefícios dos diversos meios e compensar os prejuízos, quando os conhecemos.
Adaptando uma frase de Stephen King, a leitura é, em poucas palavras, um guarda-joias, e somos sortudos de tê-la em qualquer mídia.

Vinícius Figueiredo de Oliveira
Psicólogo, mestrando pelo programa de pós-graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e pesquisador pelo Laboratório de Psicologia Médica e Neuropsicologia (LAPSIMN-UFMG).
Referências
Clinton, V. (2019). Reading from paper compared to screens: A systematic review and meta‐analysis. Journal of research in reading, 42(2), 288-325. https://doi.org/10.1111/1467-9817.12269
Mangen, A., Olivier, G., & Velay, J. L. (2019). Comparing comprehension of a long text read in print book and on Kindle: Where in the text and when in the story? Frontiers in psychology, 10, 38. https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2019.00038/full
Wolf, M. (2019). O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. Editora Contexto.

