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Os testes psicológicos como ferramentas para a produção de verdade

Fotomontagem de um homem de perfil usando um terno e edifícios crescendo a partir de sua cabeça

por André Masao Peres Tokuda

A Psicologia pode ser definida como uma ciência que estuda, busca compreender e discute o comportamento humano, sua forma de pensar, agir, seus sentimentos, emoções, gestos, reações, motivações, desejos e muito mais.

Nessa ação, pode-se ter um olhar biopsicossocial, ou seja, olhar/ler o ser humano de forma ampliada, entendo que está diante de um ser que sofre influências de fatores biológicos/genéticos, da sua interação com o meio social e vice-versa, e de processos singulares, de suas próprias formas de experienciar e interpretar o mundo, e suas vivências.

Desta maneira, os psicólogos podem atuar em diversas áreas, na clínica, campo de maior visibilidade da profissão, com atendimento a partir das mais variadas abordagens, e com públicos diversos, podendo ser crianças, adolescentes, adultos e idosos, ou com demandas específicas, por exemplo, Transtorno do Espectro Autista, Violências contra as mulheres e outras.

Encontramos profissionais da Psicologia na assistência social, principalmente ligados aos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), com atendimentos visando o empoderamento e a emancipação social, ofertando serviços para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, e nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), nos quais atendem pessoas que tiveram sérias violações de direitos, como abuso sexual infantil e violências contra pessoas idosas.

Além desses campos, poderíamos pontuar ainda os trabalhos feitos nas áreas da saúde pública e coletiva, hospitalar, educação, organizacional, entre outras. Mas gostaríamos de neste texto focar na Psicologia na interface com a Justiça, mais conhecida como Psicologia Jurídica.

Essa está presente em diversas instituições do direito, como no sistema penitenciário e na área cível (varas das famílias, da infância e juventude). Essa área de atuação e pesquisa da profissão parece nova e distante para muitos/muitas profissionais, devido à falta de oferta de disciplinas sobre o tema nos cursos de graduação em Psicologia e de maior abertura e visibilidade das vagas para o setor (Rovinski, 2009).

No entanto, a Psicologia no Brasil inicia sua trajetória na área jurídica muito antes de ser regulamentada em 1920 com Waclaw Radecke, que criou o Laboratório de Psicologia na Colônia de Psicopatas, que depois passou a ser administrado pela Universidade do Brasil (atualmente nomeada Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em 1941, Eliezer Schneider, graduado em Direito e mestre em Psicologia, passou a atuar neste mesmo local. Sua atuação inicial se dava a partir de aplicação de testes psicométricos em pessoas que estavam presas (Rovinski, 2009).

Podemos assim entender que a Psicologia, na interface com a Justiça, acaba tendo como principal atividade, desde os seus passos iniciais até hoje, a Avaliação Psicológica.

Essa pode ser utilizada para muitos fins; o principal é subsidiar a tomada de decisões dos juízes, em casos como disputa de guarda, processos de adoção de crianças e adolescentes, mudança de regime penitenciário e muitos outros. Por isso é importante pensarmos na ideia de verdade e como podemos chegar até ela.

Como colocou Cesar Candiotto (2013, p. 28), “aquilo que se denomina de verdade é estabelecido pelo jogo de regras, pela ordem do discurso que condiciona esses saberes, e não pela ordem das coisas ou das palavras.”, ou seja, podemos pensar a verdade como uma construção, o fim de um processo.

No entanto, para se chegar a esse objetivo, diversos mecanismos podem ser utilizados, como a verdade a partir das ciências, as quais empregam métodos e procedimentos que são aprovados/validados por seus pares, ou seja, para uma pesquisa ser considerada válida deve seguir um rigoroso processo, devendo ser possível ser aplicado por outros cientistas, atestando assim sua veracidade.

Outra forma de verdade, é a que se forma a partir de certas do social, através do passar do tempo e do status social de quem a produz, por exemplo, ao longo dos anos foi contada a história de que comer leite e manga fazia mal, o que fez com que se tonar-se uma verdade por muitos anos, até ser contestada pelas ciências (Foucault, 2002).

Podemos associar a Psicologia com a verdade interna (científica), que se produz fundamentada em técnicas e métodos comprovados. Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP), em sua Resolução n. 9 de 2018, a Avaliação Psicológica é a utilização de diversos procedimentos, cientificamente comprovados e autorizados pelo conselho, pensados e estruturados a partir da demanda, para investigar/avaliar/examinar fenômenos psicológicos para tomada de decisões, podendo ser de forma individual, grupal ou sobre uma instituição.

Para isso, os psicólogos deverão usar, obrigatoriamente, fontes fundamentais de informação – testes psicológicos favoráveis no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), entrevistas psicológicas, anamneses, protocolos ou registros de observação de comportamentos a partir de análise individual, processos grupais e/ou técnicas de grupo – e, quando necessário, poderão se utilizar de fontes complementares de informação – técnicas e instrumentos não psicológicos que possuam respaldo científico da área e que não infrinjam o Código de Ética Profissional da Psicologia, e/ou documentos técnicos, como protocolos ou relatórios de equipes multiprofissionais. Tais métodos e instrumentos são de escolha da profissional, tendo autonomia na decisão de como se dará tal processo avaliativo.

O uso dos testes psicológicos em avaliações na área jurídica é de extrema importância, pois são ferramentas cientificamente comprovadas. Isso porque, para estarem aptos ao uso, precisam ser submetidos ao Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) para avaliação da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCPA) do Conselho Federal de Psicologia, demonstrando consistência técnico-científica. Após aprovação, os autores têm quinze anos para realização de estudos de validade, precisão e normas.

No processo de avaliação psicológica os testes psicológicos, em conjunto com outras técnicas da Psicologia, são ferramentas válidas e importantes para a produção de verdades na área jurídica, sendo instrumentos fundamentais para o levantamento de dados e chegando a uma verdade mais próxima da realidade possível.

Cabe colocar que a Avaliação Psicológica é um processo contínuo, não cristalizado e fechado, entendendo que as pessoas se modificam ao longo da vida, tendo prazo de validade.

Referências

Candiotto, C. (2013). Foucault e a crítica da verdade. Belo Horizonte: Editora Autêntica

Conselho Federal de Psicologia. Resolução n. 9, de 25 de abril de 2018. CFP (2018).

Foucault, M. (2002). A verdade e as formas jurídicas. NAU Editora.

Rovinski, S. L. R. (2009). Psicologia jurídica no Brasil e na América Latina: dados históricos e suas repercussões quanto à avaliação psicológica. In: Rovinski, Sonia Liane Reichert; Cruz, Roberto Moraes (Eds.). Psicologia jurídica: perspectivas teóricas e processos de intervenção (pp. 11-22). Vetor.

André Masao Peres Tokuda | CRP 14/06418-1

Doutor, mestre e graduado em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP-Campus Assis). Docente e coordenador do curso de Psicologia da Associação de Ensino e Cultura de Mato Grosso do Sul (AEMS).

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