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A importância do humor para a psicologia

por Flávio Voight

Homem aparece da cintura para cima, com as mãos sobre a barriga, cabeça levemente levantada, olhos fechados e sorrindo.

Eu sou Flávio Voight, psicólogo (CRP 08/19733), e quando comecei na carreira, em meados dos anos 2010, fiz o que todo psicólogo que se prezava na época fez: uma página no Facebook.
Na época, as páginas de psicologia eram muito quadradinhas. Uma frasezinha do Freud ali, uma foto de uma flor com a frase “Acredite em você” acolá… E foi assim que produzi meu conteúdo por algum tempo.

Mas aquilo não me representava. Não sou, particularmente, fã de autoajuda, e, honestamente, só a minha mãe curtia o que a gente colocava ali.

Como não tinha muita resposta mesmo, resolvi assumir o conteúdo da página e chutar o balde. Além de psicólogo, sou escritor. Já havia escrito coisas de humor, feito teatro de improviso, já me meti a fazer stand-up, e no final da faculdade, eu até ganhei uma faixa da turma com os dizeres “Nariz de Palhaço”. Fui tentando dar minha cara para a página da clínica.

Comecei a brincar mais. Postar frases mais provocantes, coisas mais polêmicas, dar dicas de terapia com uma linguagem mais popular e, principalmente, a produzir nosso próprio conteúdo.
Quando reparei, meu trabalho havia se tornado mais uma paródia do que uma página de psicologia normal.

Surpreendentemente, a página explodiu.

Em menos de um ano com esse tipo de publicação, a página chegou a quase trezentas mil curtidas. Atingimos mais de dez milhões de pessoas por semana com publicações voltadas à psicologia. Tratar a saúde mental com bom humor nos faz alcançar mais pessoas do que um comercial no programa da Fátima Bernardes, por exemplo.

Todos os dias, recebíamos dezenas de mensagens solicitando informações sobre psicologia e pedindo atendimentos.

Pode parecer estranho hoje, em que a linguagem cômica parece ter virado o discurso oficial das páginas de psicologia, mas nós sofremos uma resposta bem difícil com o sucesso da página. Pessoas falando que o conteúdo era horrível, que era uma vergonha publicar coisas assim na internet, que eu deveria perder meu registro de psicólogo. Cheguei a sofrer processo ético por conta de conteúdos postados.

E quem eram as pessoas que mais criticavam a nossa atitude na página? Psicólogos.

Enquanto isso, mensagens e mais mensagens chegavam em nossa caixa de entrada falando sobre como nossas publicações ajudam alguém deprimido a levantar da cama todos os dias.

Então, deixe eu explicar o raciocínio por trás de “brincar” com o sofrimento mental – que pode ser uma reflexão útil para quem gostaria de produzir conteúdo semelhante.

Primeiro, a ideia é nunca fazer piada da condição em si. Vamos acolher, dizer que sim, o assunto é sério, mas que tem tratamento, que existem outras pessoas passando por situação semelhante.
É preciso ter coragem para rir na cara do sofrimento, e isso ajuda muito. Rir é o melhor remédio, mas não exatamente para o transtorno mental em si; rir é um remédio para a solidão que o sofrimento mental traz.

É como se você estivesse perdido numa cidade que não conhece. Sozinho, você pode se desesperar; acompanhado, você tem alguém para pensar junto e tentar encontrar um caminho.
Isso é acolhimento.

Você não precisa tentar ser engraçado. O importante é ser flexível o suficiente para aceitar que a vida não é ordenada e organizada nos mínimos detalhes. Não é isso que uma terapia precisa fazer: trazer flexibilidade? Movimento?

O mecanismo por trás do riso é o da surpresa. Alguma coisa cria tensão e essa tensão se resolve de um modo inesperado. O alívio é tanto que o corpo lida com essa descarga com espasmos na respiração e a sensação de prazer.

Uma pessoa que desaprendeu a rir é forte candidata a um transtorno de pânico, por exemplo. Sem ter como liberar a tensão, a pessoa implode em insegurança. Um psicólogo pode ajudar essa pessoa simplesmente sendo leve, não achando tudo o fim do mundo e apontando as levezas que podem existir num momento árido da vida de alguém.

Entender o que faz uma pessoa rir é uma das maiores janelas que você pode ter para enxergar como ela funciona mentalmente.

Quem não entende a dinâmica do riso não sabe o que é empatia.
“Mas uma piada não pode machucar alguém?”

Pode, e é por isso que precisamos tomar cuidado.

Agora, não saber levar a vida com humor pode machucar ainda mais. Uma piada atravessada gera muito menos dor do que uma vida de contenção e recalque.

“Mas meu paciente foge do tema fazendo brincadeiras o tempo todo, e o assunto é sério!”
Eu já fui esse paciente. Seguinte: se a pessoa precisa brincar com algum assunto para conseguir falar a respeito, é porque essa é a única maneira que ela encontra para entrar nessa questão espinhosa sem sentir dor. Nesse caso, ajuda bem mais fazer uma observação bem-humorada que chame atenção para a responsabilidade da pessoa quanto ao assunto do que pedir para ela falar sério.

Dizer “Fale sério” para um paciente brincalhão é igual a dizer: “Fique quieto, o seu jeito de lidar com esse sofrimento é errado. Eu sei mais do que você e esse não é o jeito certo”. E nenhum psicólogo decente gostaria de ter essa postura, certo?

Não vou mentir que nunca perdi a medida.

Antes de eu terminar de falar, já vi que tinha exagerado e que aquele não era um bom momento.
E o que fazer quando se exagera?

Pedir desculpas, mostrar que errou. Procurar entender o dano que fez. Interessar-se verdadeiramente pelo ponto de vista do outro, para não cometer o mesmo deslize.
Um bom psicólogo sabe olhar para a realidade e lidar com os desconfortos, não fugir deles ou maquiar a situação.

Claro que psicologia não é piada.

As pessoas precisam ser levadas a sério, a ciência da psicologia é muito séria, as situações são sérias.

Mas precisamos lembrar que cuidamos de vidas, e uma boa vida é uma vida leve, e o bom humor pode colaborar muito para proporcionar essa leveza.

Flávio Voight Komonski

Psicólogo (CRP 08/19733) e terapeuta em psicologia analítica, com formação continuada em Aconselhamento Existencial Centrado na Pessoa e certificação em Psicoterapia Junguiana. Conselheiro do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) (gestão 2019-2021), e membro da Comissão de Ética.

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