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Burnout: não confunda a CID 11 com a CID 10

por Hugo Ferrari Cardoso

Representação gráfica por meio de vetor, de um homem em frente a uma mesa de escritório, utilizando o computador e uma caixa de diálogo em formato de bateria com apenas uma barra de energia.

Abordar a temática do burnout implica também em se discutir sobre os diversos contextos e condições de trabalho impostas pelo mercado nas vidas dos indivíduos. Sabe-se a importância que as tarefas profissionais representam nas vidas dos seres humanos, em especial no início da idade adulta. Uma característica relevante é que o trabalho tende a remunerar financeiramente as pessoas.

Quantas vezes escutamos (e falamos) que “só conseguirei ir a um determinado compromisso depois do trabalho” ou então “não poderei fazer essa atividade porque tenho que trabalhar”, dentre outros discursos parecidos, no dia a dia? Em uma sociedade capitalista, o trabalho tende a desempenhar um papel quase que central em nossas vidas, e é por intermédio dele que organizamos uma rotina, adquirimos bens materiais e ocupamos grande parte de nossos dias.

Além disso, pode proporcionar situações que geram bem-estar e qualidade de vida, bem como são contextos propícios para as interações sociais e profissionais; por outro lado, grandes especialistas da área revelam que esses contatos podem também depender da percepção dos trabalhadores, gerar adoecimento e acarretar uma série de complicações para a saúde física e mental.

Atualmente, psicólogos respeitados no setor abordam que o trabalho tem demandado uma série de competências profissionais (conseguir trabalhar sob pressão, administrar conflitos interpessoais, ser resiliente, lidar adequadamente com situações estressantes etc) que, em médio e longo prazo, podem gerar danos, principalmente para a saúde mental.

É neste escopo que quero falar sobre o tema central deste texto, o burnout. Antes de explicar melhor suas características, convém informar que a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua 10ª edição (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10), considera características próximas ao que se entende como burnout na atualidade como fazendo parte do grupo classificatório Z73 (problemas relacionados com a organização de seu modo de vida).

Entretanto, a partir de 2022, a OMS, com a 11ª edição da CID, passou a reconhecer o burnout como síndrome relacionada ao esgotamento profissional em virtude de estresse crônico não administrado adequadamente.

Há o consenso entre autores especialistas na área de que o burnout não é sinônimo de estresse ocupacional, mas sim decorrente dele. De acordo com autoridades no tema, a inabilidade em lidar com os estressores ocupacionais poderá gerar burnout, ou seja, não possuir estratégias de enfrentamento quanto aos estressores ocupacionais pode, em médio prazo, levar ao esgotamento emocional.

Alguns estressores são bem documentados na literatura nacional e internacional como, por exemplo: a precária organização do ambiente laboral, o excesso de carga de trabalho, percepção negativa em relação às interações humanas na organização, remuneração e benefícios insuficientes, conflitos com a liderança, baixa autonomia na execução do trabalho etc.

 

Mas o que vem a ser o burnout?

Existem alguns modelos que explicam o fenômeno, como o defendido pela psicóloga americana Christina Maslach e outros colaboradores, como um processo gradual e psicossocial, tendo as características do trabalho como suas principais causadoras. Este modelo postula a presença de três fatores: exaustão emocional, despersonalização e a baixa realização profissional.

Por exaustão emocional os autores referem-se ao fato de que, a partir das demandas excessivas no ambiente de trabalho (grande presença de estressores), os trabalhadores, não mais possuindo estratégias de enfrentamento, passam a experimentar a carência de energia e de entusiasmo.

A despersonalização pode ser identificada pelo distanciamento afetivo e impessoal no trabalho, muitas vezes associados a comportamentos de cinismo e indiferença com clientes e demais trabalhadores. Experts da área contam que a baixa realização profissional acontece quando o trabalhador, já exausto e distanciado das relações, passa a se culpabilizar pela situação em que se encontra, evidenciando sentimentos de incapacidade profissional e baixa motivação para continuar a trabalhar.

Com a regulamentação do burnout a partir da CID-11 (2022), o transtorno está/estará ainda mais em evidência nos contextos laborais, em especial nas perícias médicas. Há mais de uma década, um estudo analisou o conhecimento sobre o burnout de uma equipe que realizava perícias em uma junta médica de um município localizado na região Nordeste do Brasil; como resultado, foi constatado um precário conhecimento dos profissionais em relação ao burnout.

Além disso, os autores realizaram o levantamento dos transtornos mentais que afastaram trabalhadores no período, sendo os principais, com base na classificação da CID-10, os episódios depressivos, outros transtornos ansiosos, reações ao estresse grave e transtornos de adaptação, transtorno depressivo recorrente, transtorno fóbico-ansioso, transtornos psicóticos agudos e transitórios , transtorno de humor, transtornos psicóticos não orgânicos, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno afetivo bipolar, dentre outros.

Embora a CID-10 não contemple diretamente o burnout, mas sim características, como fazendo parte do grupo de pessoas com problemas relacionados com a organização de seu modo de vida, não foi encontrado no estudo supracitado tal diagnóstico.

Com a publicação da CID-11, o burnout ganha/ganhará evidência ainda maior, com critérios diagnósticos mais bem definidos, o que, possivelmente, pode gerar o aumento da frequência de diagnósticos e, consequentemente, afastamentos das atividades laborais a partir da segunda década do século 21.

Por fim, cabe o alerta para profissionais que atuam em saúde mental ao fato de que no diagnóstico de burnout, bem como dos demais transtornos, uma avaliação ampla deve ser realizada, levando em consideração os diversos sintomas e possíveis prejuízos nas vidas desses trabalhadores. Além disso, a utilização de uma abordagem multimétodo é esperada, com utilização de entrevistas, observação, bem como ferramentas com adequadas propriedades psicométricas que possam auxiliar o profissional neste processo.

Autoria

Hugo Ferrari Cardoso – é psicólogo e autor do material EBburn – escala brasileira de burnout, publicado pela Vetor Editora. Ele também é mestre, doutor, pós-doutor em Psicologia, docente universitário pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Originalmente publicado em 23/06/2023 no site HSM Management: https://www.revistahsm.com.br/post/burnout-a-doenca-ocupacional-da-segunda-metade-do-seculo-21

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