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Pensando a Participação Política de Crianças

Garotinha segurando um megafone de papel e simulando estar falando algo para ampliar o que se está querendo que seja ouvido.

Por Kamila Vilela de Souza

Trazemos, aqui, a reflexão de como construir uma cidadania ativa e como viabilizar a participação política de nossas crianças e jovens. Como convocá-los a se organizarem para pensar, planejar, executar e avaliar ações capazes de produzir impactos locais e globais por meio de ações educativas não adultocêntricas?

Vamos apenas abrir interrogações e propor um exercício do pensamento. É possível  trazer para a discussão agentes que são excluídos desses grandes debates, ainda que sejam diretamente impactados por esse contexto: pensar em um mundo com as infâncias e não para elas?

Para começar, Stropasolas (2019) traz importantes reflexões sobre a construção de uma cidadania ativa das crianças e que a invisibilidade destas nos debates perpassam pela desconsideração dos impactos das decisões políticas sobre essa geração.

Essa cidadania ativa envolve iniciativas e participação de crianças e jovens em experiências de desenvolvimento local sustentável, por exemplo. Com esse protagonismo, é possível uma compreensão ampliada dessas problemáticas que afetam diretamente as infâncias nos territórios em que residem: crianças são importantes atores políticos.

Brostolin (2019) vai ao encontro dessa discussão e amplia o debate defendendo que adultos e suas perspectivas adultocêntricas pressupõem a falta de competências das crianças para a participação social: os argumentos utilizados para tanto passam pela crença de que as crianças precisam ter responsabilidades antes que os direitos sejam dados.

Ela teoriza ainda que “dar voz” não é somente deixar as crianças falarem, mas buscar maneiras de compreendê-las com suas teorizações sobre o mundo e que perspectivas elas podem oferecer dentro do que têm condição para opinar.

Ainda sobre a participação das crianças no debates e decisões políticas, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) trata em seu Art. 12 que: “os Estados assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança”.

Questiona-se então: quais crianças estão ou serão capacitadas? Quais assuntos são “relacionados com a criança”?

Friedmann (2020) nos apresenta a perspectiva que o protagonismo infantil é “exercido espontaneamente pelas crianças, a partir das possibilidades e oportunidades delas usufruírem de tempo e espaço para se expressarem e se colocarem no mundo” (p. 39).

Ou  seja, a participação das crianças nos assuntos que interferem suas vidas podem e devem acontecer nos mais diversos âmbitos, seja nos espaços da própria casa, nas comunidades, assembleias escolares, rodas de conversa. A autora defende ainda que essa escuta não se refere apenas a um direito ou fala apenas de um direito, mas um caminho de desenvolvimento humano potente e significativo.

Vamos defender que estamos falando de oportunizá-las, escutá-las e não forçá-las à participação, compará-las, tampouco constrangê-las. É abrir espaço e possibilitar que este protagonismo seja um movimento espontâneo e natural.

É sair do lugar adultocêntrico e não buscar ter hipóteses a serem confirmadas, muito menos uma escuta que busca encaixar as crianças em caixinhas pré-determinadas: “as realidades dos universos infantis nem sempre coincidem com os referenciais teóricos” (Friedmann, 2020, p. 42).

Precisamos, então, intervir menos, respeitar tempo, entender espaços para que consigamos de fato escutar. “E como fazer isso?” –  perguntamo-nos. Uma pista possível é poder parar e ouvir como elas se expressam, seja por meio da palavra, dos gestos, do toque, do desenho…

A arte, por exemplo, é uma expressão cotidiana que envolve os corpos, as sensações. Mais do que criar esses espaços, é perceber quando ocorrem naturalmente: “essa atenção aos conteúdos e às formas de comunicação nos processos de escuta exige metodologias adaptáveis às crianças. Elas podem por meio dos próprios registros comunicar sua realidade (Friedmann, 2020, p. 112).

O processo de escuta ativa todos os nossos sentidos, é adentrar o outro, reconhecê-lo. Como escutamos as nossas crianças? “Escuta é presença, vínculo, conexão, respeito” (Friedmann, 2020, p. 131). É estar holisticamente, inteiramente, plenamente presente e acolher o momento. É aprendizado.

A partir do momento em que um adulto se predispõe a escutar uma criança ou um grupo de crianças, ele já está se posicionando quanto aos seus valores: a consideração pelo outro, o acolhimento do diferente, o movimento de conhecê-lo mais profundamente, o estabelecimento de um vínculo de afeto, uma atitude de compaixão, reverência e abertura para o conhecimento. Escutar uma criança implica escutar a história de sua vida (Friedmann, 2020, p. 132).

Escutar é abrir e desvelar mundos com as crianças (e não para elas), é outra lógica de participação na qual o conhecimento surge no fazer. Não se pode controlar e/ou engessar, tampouco levantar grandes hipóteses, é um acompanhar: como essas crianças e suas diversas infâncias se movimentam, se relacionam e se encontram com esse mundo? Questiona-se então: “o que pode essa infância? ” (Almeida & Costa, 2021, p. 6).

Considera-se de suma importância a possibilidade desse debate tendo em vista que nós, adultos, não estaremos aqui em um futuro não tão distante, então, por que não escutar, acolher e avaliar possbilidades junto à próxima geração? Ficamos, então, com muitas interrogações e com a reflexão de Krenak:

Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar as gerações futuras? Ok, você vive falando de outro mundo, mas já perguntou para as gerações futuras se o mundo que você está deixando é o que elas querem? A maioria de nós não vai estar aqui quando a encomenda chegar (Krenak, 2020, p. 68).

Psicoteste

Autora

Kamila, Vilela de Souza é Psicóloga (CRP 16. 5425); Mestre em Psicologia Institucional UFES; Terapeuta DIR/Floortime ICDL/USA; Especialista em TEA; Pós-Graduanda em Desenvolvimento Infantil e Orientadora Parental em Disciplina Positiva. Sócia Diretora da Afeto Terapias

Referências

Almeida, T., Costa, L. B. (2021). Cartografia infantil: enfoques metodológicos seguidos de experiências com crianças e jovens de Portugual e Brasil. Childhood & Philosophy, 17, 01-24.

Brostolin, M. R. (2019). Cidadania infantil e o direito à participação da criança na sociedade contemporânea. In Barbosa, I. G., Soares, M. A. Por uma luta sem fronteiras na defesa dos direitos das crianças: políticas públicas e participação (pp. 756-765). Editora Vieira.

Convenção Sobre o Direito da Criança (1989). Convenção sobre o Direitos da Criança. Unicef.

Friedmann, A. (2020). A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias. Panda Books.

Krenak, A. (2020). Ideias para adiar o fm do mundo. Companhia das Letras.

Stropasolas, V. L. (2019). Cidadania ativa e participação de crianças em ações de desenvolvimento local sustentável. In Barbosa I. G., Soares, M. A. Por uma luta sem fronteiras na defesa dos direitos das crianças: políticas públicas e participação (pp. 742-755). Editora Vieira.

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1 Comment

  1. Luciana Farias

    Sensacional! Um belíssimo trabalho. Mais que necessário desde cedo inserir nossas crianças nessa participação política. Parabéns pela iniciativa.

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