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O meu “Eu” e a Psicologia: uma relação de longa data

por Jaqueline Giordano

 

Close-up de metade de uma ampulheta e em segundo plano uma mão segurando uma caneta.

Desde minha infância e de forma mais acentuada a partir da adolescência, recordo-me de dedicar muito tempo e atenção aos meus pensamentos e refletir sobre questões existenciais, como qual é a origem universo, da vida e da possível continuidade da existência após a morte física. Isso sempre me deixou empolgada, não inquieta.

É como se, de algum lugar que não consigo identificar em minha educação, eu tivesse uma calma certeza de que somos seres tridimensionais – que temos uma dimensão biológica, mas igualmente uma dimensão psíquica e, não menos importante, uma dimensão espiritual.

Somente com esta visão integrada do Ser Biopsicoespiritual encontrava a resposta para a maioria das questões que eu mesma me impunha. Obviamente, na ocasião não era assim elaborado por mim, mas assim era sentido, com palavras mais simples, eu sentia, no meu íntimo, que “somos seres espirituais vivendo uma existência humana”.

E quando cheguei ao ponto de decidir sobre que estudos seguir ao considerar fazer uma faculdade, não tive nenhuma dúvida de que a Filosofia e a Psicologia seriam meus caminhos vocacionais. No entanto, por vir de uma família com pouquíssimos recursos financeiros e já ter necessidade de trabalhar e contribuir com o orçamento em casa, tive que fazer uma escolha que foi muito mais instrumental que vocacional. Na minha biografia, esta fase foi de uma grande superação.

Sendo a 7ª filha de uma família de imigrantes napolitanos, situados na Zona Leste de São Paulo, tendo meu pai como mestre de obras e minha mãe assumindo todas as tarefas da casa, eu e meus irmãos, logo que possível, arrumávamos trabalho e uma maneira digna de ajudar com o orçamento, destinado eminentemente a construir nossa casa, literalmente com as próprias mãos, aos finais de semana.

E foram vários anos com este projeto. Foi uma fase intensa para mim, mas de muitos sonhos e reflexões. E, apesar de sempre ter estudado em escola pública e depois escolher no ensino médio fazer magistério – pois já queria me garantir com alguma qualificação para deixar de ser costureira, como minha irmã mais velha (eu realmente não gostava disso) –, durante meus primeiros anos escolares, sempre recebi elogios de meus mestres, professores cansados e sem recursos em uma violenta escola de periferia, mas que não deixaram de lançar o olhar sobre mim e algumas palavras de incentivo.

Eu as sorvia como quem necessita de um copo d’água em tempo seco. Em casa, recebi os cuidados, os valores e a orientação para o trabalho – o digno “ganhar a vida honestamente com o suor do rosto”.

Aprendi sobre cuidar da casa com asseio e capricho, cuidar das coisas sem quebrar ou desperdiçar, o valor de ter um teto, um banho quente e uma comida maravilhosa que mamãe fazia. Mas, acima de tudo, aprendi sobre convivência com as diferenças (nós irmãos éramos irritantemente diferentes em temperamentos e desejos de vida), aprendi com minha mãe sobre o poder da fé e a exercer a compaixão, ajudar ao próximo, ouvir olhando nos olhos, a contornar conflitos (e eram inúmeros), a resolver meus perrengues e me virar, a dar um jeito de ganhar algum dinheiro se quisesse algo que não fosse apenas o básico que eles podiam garantir.

E claro, ouvia que tinha que ser moça direita, arrumar um bom marido trabalhador e nunca pagar aluguel. Este era o máximo alcance da visão de futuro que meus pais muito raramente compartilhavam. Mas foi na escola que ouvi que se eu me dedicasse, se tivesse bons estudos, eu poderia crescer e ser alguém na vida.

Juntando os pontos, na minha cabeça, com uma inspiração que veio de algum lugar dentro da mim, compreendi que eu podia ser as duas coisas. Podia colocar um “e” e não um “ou” na minha vida. Podia trabalhar, ser honesta e estudar para ser livre, tudo ao mesmo tempo. E assim segui minha vida, percebendo o quanto era difícil, oh se era, mas que era possível crescer e sonhar. Assim fui, com a cabeça nas nuvens, em minhas reflexões metafísicas e as mãos e pés calcados na realidade e na labuta diária.

Após batalhar e receber uma bolsa de estudos para um cursinho pré-vestibular de renome em São Paulo, estudei muito e fui admitida em três escolas de excelência: Administração de Empresas na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Por razões práticas, optei pela graduação na USP e também por ser em período noturno. Lembro que ali senti a dor de não ser a sonhada Psicologia. Eu pensava em como seria bom se pudesse fazer a Psicologia na USP (minha pontuação no vestibular permitia), vivendo a vida universitária e estudando em período integral. Mas este sonho estava distante, como faria para comer, comprar os livros, transporte etc., sem recursos. Fiz a matrícula e fui me informando sobre o que significaria ser aluna de uma das melhores universidades públicas do Brasil.

Por morar distante da universidade e por declaração de impostos, comprovei fácil a real carência e recebi uma oferta de moradia no campus, tendo importante apoio para transporte e alimentação.

Pronto, agora estava efetivamente amparada. Podia me dedicar aos estudos à noite, ao meu trabalho e estágios à tarde e morando lá, com tempo livre nas primeiras horas da manhã. E foi assim que eu identifiquei que poderia colocar mais um “e” em vez de “ou” nesta escolha. Fui admitida como aluna ouvinte para diversas disciplinas ofertadas pelo Instituto de Psicologia da USP e todas as matérias que cursei por mais de dois anos foram incorporadas ao meu histórico escolar da Administração.

Sendo conduzida assim, fui cada vez mais me qualificando para a área de gestão de pessoas nas empresas. Afinal, agora conseguia ter uma conversa sobre tópicos de gestão e administração de empresas e tópicos de desenvolvimento humano e social. Um casamento muito bem feito.

Assim, a escolha que parecia não ter sido vocacional, mas, sim, instrumental, aqui também se reconfigurou. Novo “e” em vez de “ou” em minha biografia. E antes mesmo de concluir a faculdade, já tinha realizado importantes estágios e tinha sido efetivada como analista de Recursos Humanos (RH) e logo cheguei à posição de coordenação da área de desenvolvimento humano e de carreira de um importante banco.

E foram 29 anos de carreira, de estagiária a diretora executiva de Recursos Humanos, em importantes empresas e diferentes segmentos de mercado. Ao longo desta trajetória, por responsabilidade e necessidade, segui me qualificando para os desafios sempre crescentes em termos de gestão. Foram dois MBAs (FEA e IESE) em gestão estratégica, além de diversos cursos e qualificações para a área.

Porém, em paralelo, como uma eterna apaixonada, segui flertando com a Psicologia. Ao realizar um mestrado, optei pela modalidade de mestrado interdisciplinar em “Administração, Comunicação e Educação”, já ampliando as fronteiras.

Meu objeto de estudo foi “A questão das escolhas e da constituição da identidade profissional: um estudo sobre a identidade do profissional de Recursos Humanos”. Agora me parece tão óbvio que estava buscando entender a minha própria identidade. Mas, na época, o que mais sobressaiu foi que essa dissertação de mestrado foi um pontapé para receber um convite de uma renomada escola de negócios em São Paulo para direcionar minha carreira para a área acadêmica.

Tive o privilégio de atuar como docente de cursos de graduação e pós-graduação em gestão estratégica de pessoas e ao mesmo tempo, neste centro de excelência, estruturar e desenvolver um centro de orientação de carreira para toda a comunidade de alunos.

Para dar conta desse desafio, resolvi me certificar como Orientadora Vocacional e de Carreira pelo Instituto Sedes Sapientiai (principalmente pensando no aluno jovem da graduação que chega para fazer um curso amplo como administração de empresas e economia e que efetivamente tomará decisões de carreira a partir daí).

E, posteriormente, fiz a minha certificação como Coach pelo Instituto Ecosocial, trazendo a antroposofia como um pano de fundo fundamental para a prática dos valores e visão integral de vida e carreira (principalmente considerando o aluno adulto profissional, que, certamente, ao realizar um MBA, por exemplo, tem enormes expectativas de alavancagem de sua carreira).

Durante cinco dos 29 anos de atuação profissional em RH, estive à frente dessas conversas diárias com a comunidade de alunos, sobre vida, valores, motivos e movimentos de carreira. Aprendi muito enquanto me dediquei a ensinar a refletir e aprender a apreender. Em paralelo, fui me qualificando e adentrando cada vez mais no campo da Psicologia, por exemplo, ao realizar a minha formação em Psicanálise Integrativa, tão importante para compreender os processos reparatórios que ocorrem, principalmente com pai e mãe, no momento da escolha profissional pelo jovem.

Desidentificar para poder ter escolhas livres. E conduzir diálogos socráticos também com os pais, quando buscam um trabalho de apoio em orientação vocacional, para que melhor compreendam as suas dinâmicas nesse momento de travessia do jovem para a vida adulta. Ter uma formação e um olhar psicanalítico para bem apoiar todas estas questões me pareceu fundamental.

E assim segui a carreira, como executiva em Recursos Humanos, Professora, Orientadora Vocacional e Coach. Até que em 2015, olhando em perspectiva, tomei coragem para me desligar da condição empregada de uma importante empresa do segmento financeiro e seguir minha trajetória como profissional autônoma.

Foram bons anos de reflexão sobre o que me mantinha neste lugar e por que não seguir mais um passo na carreira executiva. O que me fez tomar a decisão foi ter encontrado, após muita reflexão, em um centro de desenvolvimento, a seguinte frase de Dalai Lama, citando Buda, escrita na parede da sala de leitura: “Muito não será o bastante para quem considera pouco o suficiente”. Pronto, estava aí o pontapé para eu finalmente concluir o que já estava suficiente.

E desde 2015 venho atuando como Consultora em desenvolvimento humano e organizacional a partir de minha formação e aprofundamento em liderança altruísta , Coach , Psicanalista Integrativa e Orientadora Vocacional e Profissional , atendendo diariamente pessoas adultas que procuram ampliar consciência e ter um olhar renovado para suas biografias de vida e carreira, que chegam a mim basicamente por indicações de quem já realizou o processo.

Na consciência de que quem chega é porque precisa chegar; quem busca ser curado, encontra quem deseja curar.

E com eles muito aprendo, e fui criando, por assim dizer, uma embocadura e uma postura terapêutica, a ponto de agora já me identificar como Terapeuta Integrativa, pois a todas estas formações anteriores acrescentei muitas horas de atendimento, supervisões e as seguintes certificações: Logoterapia , Terapia Artística com base antroposófica , praticante de Barra de Access e Aplicação das Imagens Terapêuticas de Gerhard Reisch.

Por fim, por estar atuando como terapeuta integrativa nos últimos seis anos, agora finalmente me reconecto com a origem deste percurso, e tomei a coragem e a energia necessária para recomeçar e realizar a minha segunda graduação – agora em Psicologia.

Iniciei em 2021 e me graduarei em três anos, pois consegui eliminar as matérias básicas dos dois primeiros anos. E estou simplesmente amando estar neste lugar de estudante e estagiária (sim, já estou fazendo estágio e tomando supervisão de casos clínicos), aos 53 anos, em sintonia com meus filhos de 13 e 17 anos, conversando sobre provas e trabalhos, notas e perrengues.

E na convicção de que estou fazendo a terceira metamorfose de minha carreira (de administradora para coach e desta para terapeuta), sinto-me em fluxo com tudo o que leio e estudo sobre longevidade e carreira.

Possivelmente, a depender da qualidade da vida e imponderáveis, estamos em uma fase de ampliação do tempo de vida, e a carreira, como sinônimo de via carrara (e suas marcas no chão) acompanharão esta ampliação. Que bom seria se todos tivessem iguais condições para poderem atuar e se aproximar de seu lugar único no mundo, seu Ikigai , como dizem os orientais. Mas não é preciso ter pressa, e sim foco, pois estar alinhado ao seu Ikigai é trabalho para uma vida toda.

 

Anexo

Durante minha formação como coach com base antroposófica, em um dos módulos finais de um Programa de Desenvolvimento de três anos, no qual ficávamos de maneira imersiva, uma semana por mês, em um mosteiro em Vinhedo, foi solicitado que escrevêssemos um conto em que pudéssemos notar nossa biografia. Durante a noite anterior à data de entrega desta atividade, a minha história foi se apresentando a mim. Durante um tempo relativamente curto para escrever o que copio a seguir, tive a sensação de que meu conto me foi sendo sussurrado e canalizado.

Decidi compartilhar aqui para fazer jus ao tema deste artigo: “O meu Eu e a Psicologia: uma relação de longa data”. Eu diria que, pelo que me foi inspirado, que é uma relação de longuíssima data, como podemos notar.

 

Meu conto: Cachos de Ouro!

Em uma noite chuvosa, Cachos de Ouro, agora próxima de completar 22 anos, tinha novamente o mesmo sonho recorrente que a acompanhava desde sua mais tenra infância. Em seu sonho, ela era também muito jovem, na verdade uma garotinha de 10 anos que viveu antes mesmo do nascimento de Jesus.

Tratava-se de uma habitante de uma comunidade isolada e que sempre, escondidinha, pelo furo de uma tenda à margem do Mar Morto, assistia às reuniões misteriosas das quais seus pais participavam. Eram Essênios e dividiam com Saduceus e Fariceus as práticas espiritualistas daquela época. Tudo era tão misterioso quanto a sua vida e suas atividades. Diz a lenda que este povo desapareceu com a destruição de Jerusalém (70 d.C.).

Antes disso, fizeram parte da corrente do Judaísmo, do qual foram expulsos quando os príncipes macabeus e o sacerdote Simeon (134 a.C.) também eram governantes e assim ditavam obrigações a todos, trazendo a antipatia geral, inclusive havendo perseguições, e provocando que muitos se negassem a seguir suas determinações.

Entre os que se negaram estavam os essênios, mais exatamente seus líderes, os professores da verdade, que foram perseguidos pelo grão sacerdote perverso e seus homens e alguns se tornaram os profetas do apocalipse.

E assim ocorreu a retirada dos essênios rumo ao deserto. Coisa que a garotinha do sonho não entendia, mas acompanhava atenta e interessada. Por isso, as reuniões secretas eram tão instigantes para ela. Queria saber do que eles falavam.

Queria entender os motivos de Seus Pais! Neste sonho específico, a garotinha essênia (vamos assim chamar, pois no sonho os personagens não têm nomes) ouviu que agora, em todas as cidades, eles teriam casas, em toda a Palestina.

Nestas casas ou pousadas, seriam acolhidos e acolheriam todos, providenciando toda assistência e alimentação. E a sua comunidade, que vivia às margens do Mar Morto, agora seria nomeada como Comunidade dos Therapeutas, os curadores, e que seria uma espécie de espelho da comunidade de Theapeutas da Palestina, e que desta estava emergindo uma grande força e luz. Ouviu atenta de um vidente que Maria, José, João Batista e o próprio Jesus eram Essênios nesta outra comunidade de Therapeutas.

E este vidente, percebendo que havia alguém espiando no furo da tenda, olha direta e fortemente em sua direção, como se falasse exatamente para a garotinha essênia e diz: Agora vai! Faça sua parte! Você sabe!

Ao acordar, ainda palpitante e quase sem fôlego, como quem toma um grande susto, Cachos de Ouro revê sua pesquisa e anotações. Analisando dados, conclui que a história secreta dos essênios é totalmente consoante com o surgimento do cristianismo primitivo. Segundo diversos pesquisadores, a história do cristianismo é, na realidade, a história dos essênios.

Seus ensinamentos secretos tornam-se evidentes com João Batista e mais adiante com o nascimento de Jesus. Um dos autores descreveu precisamente onde e como viviam os essênios. Notou que eles estavam espalhados pela Palestina e que o messias viria da comunidade deles. Isso tudo aconteceu onze anos antes de serem descobertos os manuscritos do Mar Morto.
Santo Agostinho concordava que os Therapeutas do Egito eram cristãos, e que eram predecessores do cristianismo. Relatou que o centro dos Therapeutas era na Alexandria.

Lá eles aprenderam a sabedoria da cura e conheceram a filosofia. Conforme Philon cita: eles eram curadores, ascetas e filósofos, ao mesmo tempo. Sua visão da vida era a seguinte: “Não juntem riquezas na terra, mas, sim, no céu, onde nem as traças a podem roer e nem a ferrugem poderá destruir”.

Aqueles que queriam se ligar a eles faziam uma promessa de fidelidade à comunidade e a seus princípios e se a quebrassem, eram expulsos. Segundo pesquisadores, eles pensavam que os excessos e falta de medida eram prejudiciais tanto para o corpo quanto para a alma. Todos eram homens livres, não tinham empregados, muito menos escravos. Alguns viviam em família, outros celibatários. Na vida deles, os anjos tinham papel fundamental.

As suas potencialidades extraordinárias e muitas vezes invejadas por seus conterrâneos eram possíveis em razão de uma intensa ligação que mantinham com os anjos. A relação e evolução deles floresciam tanto no plano espiritual como no material, graças a esta intensa ligação com os anjos.

Uma curiosidade com relação a sua forma de pensar e sua fé é que reuniam princípios do judaísmo associados a diversas outras crenças. Acreditavam em um só Deus, na circuncisão e honravam rigorosamente o Sabbath. Mas, da mesma forma, suas ideias tinham uma forte influência persa, pitagórica, budista e helenística. Eram capazes de sintetizar crença de diversas religiões e assim qualificar mais ainda sua forma de ser.

Acreditavam no Pai do Céu e na Mãe Terra e nos Anjos. Também acreditavam na Providência Divina, segundo a qual nada acontece ao acaso, qualquer que seja o acontecimento, pois nos desenvolvemos por meio deles.

Cachos de Ouro deu um grande suspiro ao reler tudo isso e pensou, quase falando em voz alta: “Tá, legal, ok! Tudo muito interessante, mas agora tenho que correr e ainda parar de ler este tipo de coisa e estudar para a prova de estatística de hoje à noite! Nesta ocasião, morava no Crusp, moradia de estudantes da USP e tinha uma rotina superpuxada. Curso de psicologia de manhã (no qual foi atendida em seu pedido na condição de aluna ouvinte) e do qual sentia muito orgulho e vontade.

Na verdade, queria ter prestado psicologia, mas fez administração à noite por um motivo prático: ganhar a vida e ajudar sua família. Psicologia era integral… nem pensar. Mas ser aluna ouvinte já era maravilhoso! À tarde, depois de comer no bandeijão da USP, corria para seu estágio em RH e voltava para a USP à noite para estudar no seu curso regular de Administração de Empresas na FEA.

A facilidade de morar no Crusp era que depois deste dia, a apenas alguns passos de sua sala de aula, estava reservada a ela uma cama quentinha e um chuveiro, que mesmo num pequeno dormitório dividido com mais quatro amigas, também estudantes da USP, parecia um Castelo Encantado.

As conversas, os vizinhos do andar, as festas, o miojo na cozinha coletiva, as paqueras, o centro acadêmico, as reuniões do partido na FFLCH, tudo, tudo muito bom e maravilhoso. No sábado, bem cedinho, mesmo pegando quatro ônibus para voltar para casa, carregada de sacolas com muitos, muitos livros, roupa para lavar e passar, levava uma alegria enorme no coração. Uma felicidade por se sentir livre, mas ao mesmo tempo uma saudade gostosa de seus pais. Sim, sentia vontade de ver sua mãe, comer sua comida cheirosa (e este cheio estaria pra sempre gravado em sua memória).

Voltava pra casa com vontade de olhar nos olhos verdes de seu pai, que até aquela altura ainda não tinha se permitido dizer o quanto a amava. Era valentão! Homem não fala estas coisas… Era só vergonha de falar. Mas quando ele a olhava, com seus lindos olhos brilhando, ela sabia, sabia sim o quanto seu pai querido a amava e se orgulhava dela! Isto bastava. Ela sabia!
De sua mãe foi grande companheira na sua infância.

Quando nasceu, sua mãe já tinha cabelos branquinhos (da luta e dos 40 anos, que naquela época eram muitos…). Aprendeu que sua mãe precisava também de ajuda e de ser cuidada. Com sua mãe, conheceu o espiritismo. E sua mãezinha querida, que também não se permitia falar o quanto a amava, que não a pegou no colo nenhuma vez que esta garotinha se lembre, também a amava intensamente. Bastava sua mãe olhar.

E nos seus olhos a garotinha sentia todo amor e ternura que uma mãe pode ter por seu filho. Lembra de ter ouvido várias vezes sua mãe elogiá-la para outros: a minha caçula é muito inteligente. Acredita que desde os 13 anos já dá palestras no Centro Espírita. E precisa ver como todos param para ouvir. Parece que ela já sabe! E ela sabia!
Bem, seus irmãos eram muitos…

Com o tempo, foi aprendendo a reconhecer que tinha mais afinidades com uns que outros, coisas da vida. Mas quando a coisa apertava para alguém, todos se uniam para ajudar. Até hoje. Ela não se lembra de ter dado muita preocupação a eles. Mas vai saber… O que eles lhe deram: 22 sobrinhos, cinco sobrinhos netos, cunhados maravilhosos…, mas com tanta gente, tanto barulho, escassez de recursos e confusão, se tem uma coisa que ela sabe é que não foi por acaso que escolheu esta família. Ela sabe!

E deste dia em diante, Cachos de Ouro seguiu sempre assim, perto de sua família, mas livre. E livre ousou voos muito altos. Construiu sua carreira como especialista em desenvolvimento de pessoas, virou professora, orientadora vocacional e cresceu sempre tendo mérito e sendo reconhecida por suas entregas. Mas sempre sendo muito questionadora, tendo um senso de justiça muito grande.

Comprou várias brigas boas. Foi vista como um RH “admirável”, ganhou prêmios em nome das empresas por onde passou. Enfim, gozou de prestígio e certa fama. Deve confessar que no início, quando virou líder de equipe aos 24 anos, era bem durinha (e devia ser chatinha também). Custou para amolecer. Claro, sempre boa aluna e filha, queria que as entregas estivessem à altura. A altura de quem? Ninguém sabia. Mas ela sabia!

Hoje, Cachos de Ouro relembra com amor tudo isso. Recorda-se das brincadeiras, de seu primeiro emprego (trabalho infantil sem dúvida) e das dificuldades da infância, mas de muitos amigos, de suas farras, do curso de teatro no Macunaíma e de quase ter matado seus familiares de susto quando se apresentou na peça “Jesus Cristo Super Star”, em cartaz em um importante teatro em São Paulo.

Dos anos maravilhosos da faculdade, do dia em que seu pai ligou no seu trabalho e por telefone conseguiu finalmente dizer “Io ti amo” e seguiu falando sempre que se encontraram desse dia em diante. De seu primeiro casamento com o “bom moço, trabalhador, bonito e de família”, como sua mãe falava. Da sua retidão na separação necessária após cinco anos. Do verdadeiro encontro amoroso de sua vida, a quem elegeu para seu companheiro e pai de seus dois filhos.

Tanto aprendizado… e agora tudo isso à disposição na construção da sua família maravilhosa. Ela sabe que tudo, tudo isso, foi conquistado com muito empenho, mas ao mesmo tempo com a ajuda de uma mão invisível. Que mão é essa? Alguém poderia questionar: Destino? Mérito? Sorte? Vocação? Quem sabe? Ela sabe!

E por fim, hoje, Cachos de Ouro, após uma experiência muito complexa como principal executiva de RH em uma empresa que tornou premente que ela deixasse de lado as discussões mais elaboradas e usasse todo seu recurso intangível e intuitivo para poder efetivamente se conectar e ajudar as pessoas ali em sofrimento, aprendeu que o melhor lugar do mundo não é, para ela, o mais alto, mas, sim, o mais próximo.

Como ela pode saber disso? Ela sabe!
E assim, segue nesta busca por proximidade, sentido, coerência, terminando cada dia na humilde certeza de que deve efetivamente compreender o sentido da frase que tanto repete: “Seja feita a Tua vontade, Senhor”.

 

Jaqueline Giordano

Administradora. Mestre em Administração, Comunicação e Educação, com formação complementar em Logoterapia, Psicanálise Integrativa, Orientação Vocacional, Coaching e Terapia Artística com base antroposófica.

Pesquisadora do grupo de pesquisa O vazio existencial na contemporaneidade e as possibilidades de realizar sentido, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.

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