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Por Victor Polignano Godoy
Transtorno de Sintomas Somáticos e condições associadas: importante categoria diagnóstica para a atenção primária
Você já se deparou com uma pessoa que se queixa excessivamente de sintomas somáticos, sejam eles documentados por exames fisiopatológicos ou não?
Provavelmente a sua resposta seria sim, ainda mais se você for algum profissional da saúde que trabalhe na atenção primária. O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais em sua quinta edição – DSM V (American Psychiatric Association, 2013) dedica um capítulo para agrupamento de sintomas relativos à saúde/doença intitulado Transtorno de Sintomas Somáticos e Transtornos Relacionados.
Esse capítulo é um importante avanço porque visa sistematizar e facilitar o reconhecimento desse grupo de psicopatologias entre profissionais que não são necessariamente da Saúde Mental, simplificando o que era encontrado na versão anterior do DSM. Mas, afinal, como reconhecer e diagnosticar corretamente o Transtorno de Sintomas Somáticos e aqueles relacionados?
A principal psicopatologia deste grupo é o Transtorno de Sintomas Somáticos. Antigamente se tinha a concepção de que somente se um paciente não apresentasse uma queixa não consubstanciada por exames fisiopatológicos é que se poderia considerar esse diagnóstico.
Mas com a nova conceituação do DSM V, deve ser considerado o sofrimento ou prejuízo na funcionalidade diária associado ao sintoma somático objetivamente amparado ou não. Deve-se considerar a proporcionalidade e estabilidade temporal (persistência de, em geral, 6 meses das preocupações, a ansiedade/angústia relacionada e o tempo/engajamento dedicado a elas).
Assim, mesmo que uma pessoa apresente uma doença “física”, ela pode receber esse diagnóstico caso as reações cognitiva, afetiva e comportamental sejam desproporcionais e tragam algum tipo de prejuízo para o indivíduo. Todavia, pode ser difícil distinguir o que é desproporcional ou não. Neste sentido, é importante entender o quanto a pessoa considera o sintoma nocivo, grave ou incapacitante.
Ir a um médico não é suficiente para a pessoa perceber essa dissonância já que, após a consulta, a pessoa continua a persistir com as preocupações, sofrimento subjetivo e prejuízos no funcionamento. A interpretação da conduta médica é recebida como subestimação ou negligência das queixas por parte do médico, não como evidência direta de que a saúde vai bem.
Estimativas epidemiológicos sugerem uma prevalência de 5 a 7% na população geral, com provável maior ocorrência em mulheres. Indivíduos mais velhos, nível socioeconômico baixo e escolaridade reduzida podem ser mais suscetíveis ao transtorno.
Neste caso, a desproporcionalidade, prejuízo e sofrimento são essenciais visto que há maior probabilidade de comorbidade física. O traço de Neuroticismo parece correlacionado com a sintomatologia bem como outros transtornos mentais, especialmente depressão e ansiedade.
A dor (específica ou não) e a fadiga são dois sintomas somáticos comuns; em crianças podem ocorrer dor abdominal, dor de cabeça, enjoo e cansaço. Fatores cognitivos que interferem no transtorno são hiperfoco em sensações físicas, hipersensibilidade ao estresse e a dor, além da tendência geral à catastrofização.
Dentre os vários diagnósticos diferenciais possíveis, um dos mais importantes é com o Transtorno de Ansiedade de Doença. O principal fator que distingue as duas condições é a presença de sintomatologia somática considerável. Neste caso, há maior probabilidade de se tratar de Transtorno de Sintomas Somáticos. No caso do Transtorno da Ansiedade de Doença, os sintomas somáticos são inexistentes ou mínimos; muitas vezes, na verdade, as queixas físicas são sensações fisiológicas interpretadas de forma patológica.
A preocupação, portanto, é a possibilidade de se ter uma doença grave. Frequentemente existem comportamentos de verificação, incluindo a possibilidade de busca de cuidados médicos ou, ao contrário, evitação excessiva.
A ansiedade relacionada à saúde e os outros sintomas estão presentes por pelo menos 6 meses e não podem ser mais bem explicados por outros transtornos mentais. Esses indivíduos geralmente frequentam serviços de saúde geral e são mais raros na área de Saúde Mental.
A prevalência é semelhante em mulheres e homens e a taxa em 1 a 2 anos varia de 1,3 a 10%. Ressalta-se que essa estimativa é feita pelo antigo rótulo de hipocondria que, na verdade, é convertido, majoritariamente, no DSM V para Transtorno de Sintomas Somáticos. Alguns autores ressaltam a semelhança funcional do Transtorno de Ansiedade de Doença com o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) na medida em que existe um pensamento que provoca angústia/ansiedade e atos repetitivos relacionados com neutralização e redução da emoção negativa.
Por sua vez, o TOC pode ser distinguido pela presença de outros pensamentos intrusivos e compulsões que não são conteúdos de saúde, além de outras características secundárias. O foco no TOC está, de forma geral, associado com ações mais diversas de neutralizações e com a possibilidade futura de contrair a doença e, portanto, com comportamentos preventivos.
Em termos de procedimentos de Psicoterapia, tanto para o Transtorno de Ansiedade de Doença quanto para o TOC se usa Exposição e Prevenção de Respostas (PR), derivado da tradição comportamental.
O Transtorno Conversivo (Transtorno de Sintomas Neurológicos Funcionais) é caracterizado por sintomas sensoriais e/ou motores que não são explicados por nenhuma alteração neurológica comprovada por exames. Fraqueza, paralisia, movimentos estranhos, deglutição falha, perdas sensoriais, anestesia e problemas de fala são comuns.
Pode ocorrer de forma aguda (menos de 6 meses) ou de forma persistente (mais do que seis meses). O Transtorno Factício é a falsificação de sintomas físicos e/ou psicológicos ou o comportamento de provocar lesões, que é claramente fraudulento, mas não existem ganhos claros e explícitos. A condição pode ser autoimposta ou imposta ao outro (por procuração) – neste caso, um indivíduo apresenta outro como doente ou lesionado. Deve-se diferenciar o Transtorno Factício da Simulação quando houver algum ganho objetivo, por exemplo, aposentadoria, dinheiro extra ou licença laboral.
Todos esses transtornos são comuns na atenção primária. Os profissionais de saúde, em geral, não encaminham para suas contrapartes de Saúde Mental porque imaginam que os pacientes não receberão bem a conduta.
De fato, muitos pacientes com esse espectro de queixas não as consideram como tendo um componente psicológico relevante, o que pode comprometer a relação médico-paciente na atenção primária e minar qualquer possibilidade de resolução.
Por isso, deve-se investir no treinamento de profissionais da atenção básica para reconhecimento de tais condições e para o tratamento adequado das mesmas, especialmente o Transtorno de Sintomas Somáticos, o mais prevalente das condições aqui descritas. Kurlansik & Maffei (2015) revisaram os tratamentos mais eficazes para esta psicopatologia.
Com nível B de evidência são sugeridos: a Terapia Cognitiva-Comportamental, Terapia Baseada em Mindfulness ou, em termos farmacológicos, amitriptilina ou outros antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina. Fármacos que sejam inibidores de monoamina oxidase, bupropiona, anticonvulsivantes e antipsicóticos devem ser evitados por falta de evidência de eficácia. Todavia, com exceção da farmacoterapia, os outros procedimentos são pouco ensinados a profissionais de atenção primária.
Neste caso, além dos medicamentos, é recomendável que os profissionais atuem programando consultas de curto prazo (evitando a procura de outros serviços de saúde), utilizem da empatia profissional para escutar com cuidado a queixa e evitem a prescrição de medicamentos ou exames que sejam desnecessários.
Referências
American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora.
Kurlansik, S. L., & Maffei, M. S. (2016). Somatic symptom disorder. American Family Physician, 93(1), 49-54.