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Avaliação psicológica no contexto do trânsito

Close-up em semáforo triplo e no mais a direita há uma seta acesa apontando para a direita

Avaliação psicológica no contexto do trânsito: seleção de testes e formação continuada.

A avaliação psicológica no contexto do trânsito tem sido realizada para diversas finalidades, como nas clínicas (para diagnosticar transtorno de estresse pós-traumático decorrente de acidentes de trânsito e dar suporte às intervenções em psicoterapia) e nas empresas de transporte (para selecionar motoristas de ônibus e realizar diagnóstico organizacional sobre estresse e qualidade de vida no trabalho).

Além dessas, existe também a avaliação psicológica pericial, conforme inserida no processo de habilitação de condutores. Essa é uma atividade tradicional do psicólogo do trânsito, regulada por leis e resoluções, e exercida pela maior parte (76,7%) desses profissionais, conforme pesquisa nacional do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP, 2009, 2018).

Nesse caso, os psicólogos trabalham em clínicas credenciadas pelos Detrans na prestação desses serviços, sendo responsáveis por avaliar pessoas (candidatos) para a obtenção da Autorização para Conduzir Ciclomotores (ACC) e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e para a renovação, adição ou mudança de categoria (Conselho Nacional de Trânsito [CONTRAN], 2012).

O trabalho pode envolver ainda as juntas psicológicas, instauradas pelos órgãos de trânsito para julgar os recursos dos candidatos referentes ao processo de avaliação.

 

Existem pelo menos quatro passos para alcançar os resultados esperados da avaliação psicológica (CFP, 2013):

  1. Definir os objetivos da avaliação (e.g., obtenção e renovação da CNH, adição ou mudança de categoria da CNH) e escolher os instrumentos e as estratégias adequadas (e.g., entrevistas diretas e individuais, testes psicológicos, dinâmicas de grupo), sendo essa uma prerrogativa do psicólogo, desde que devidamente fundamentados na literatura científica psicológica e nas normativas vigentes do CFP.
  2. Coletar as informações (tomada de informação, processamento de informação, tomada de decisão, autoavaliação/comportamento e traços de personalidade).
  3. Integrar as informações e desenvolver as hipóteses iniciais.
  4. Indicar as respostas e comunicar os resultados (apto, inapto temporário e inapto, por meio de entrevista devolutiva e do documento escrito, por exemplo, laudo ou atestado, conforme se aplicar ao caso).

 

Cada uma dessas etapas requer desenvolver e integrar diversas competências. Especificamente sobre a primeira etapa, que inclui a seleção de testes e técnicas, existem alguns norteadores. Assim, o universo de testes e técnicas que serão possivelmente selecionados começa a ser mais delimitado em função de alguns aspectos, dentre eles:

 

1) finalidade da avaliação

As pessoas que o procurarão serão somente aquelas pessoas com as seguintes finalidades: obter/renovar/mudar a sua CNH. Nessa avaliação pericial no processo de habilitação, em que o psicólogo contribui socialmente para a segurança viária, não há espaço para outras demandas a serem investigadas nesse momento específico, embora o profissional precise encaminhar a pessoa para outros profissionais para investigação, por exemplo, de algum transtorno mental ou comprometimento neuropsicológico.

2) características do candidato

Idade, escolaridade e presença de deficiência física. Na avaliação para a CNH, jamais o psicólogo atenderá crianças e adolescentes, estes abaixo dos 17 anos para adquirir a CNH, uma vez que não é permitido por lei (Brasil, 1997). Adicionalmente, a seleção dos testes psicológicos envolve a integração de outros conhecimentos que tornam a tarefa mais complexa.

3) conhecimentos associados

por exemplo, sobre os processos psicológicos do sujeito que será (ou pretende ser) motorista; a legislação relativa ao trabalho pericial e aos testes (CFP, 2018, 2019); a psicometria, relacionada aos aspectos técnicos dos instrumentos, tais como precisão e validade, a fim de que se compatibilize esses parâmetros à necessidade do processo avaliativo; e a estatística, que permitirá melhores decisões tanto a respeito desses parâmetros quanto a extração de melhores informações dos resultados e limites interpretativos dos testes respondidos, o que respalda as conclusões do perito. O psicólogo do trânsito deve estar capacitado para articular coerentemente todos esses aspectos para a seleção do melhor instrumental.

 

Em conjunto, todos esses conhecimentos e habilidades embasam o que se pode chamar de seleção dos testes psicológicos fundamentada em aspectos técnicos e científicos da psicologia, conferindo, portanto, mais autonomia, num sentido amplo da palavra, em vez das escolhas feitas exclusivamente com base nos hábitos de usar determinado instrumento aprendido na graduação, no baixo custo, na tradição ou na recomendação de uma pessoa mais experiente. Nesse caso, refletindo uma baixa autonomia do profissional e maior dependência.

Uma vez selecionado o teste psicológico, o trabalho não para por aí. Será preciso também o psicólogo do trânsito manter-se atualizado na área e aprimorar as habilidades no uso dos testes e técnicas psicológicas e no raciocínio clínico.

Afinal, nunca cessam as pesquisas sobre os processos psicológicos associados ao comportamento (seguro/inseguro) no trânsito e sobre os testes que podem ser usados. Isso porque, especificamente sobre os testes, os seus criadores e editoras precisam continuamente aperfeiçoá-los e demostrar evidências de que são bons para medir ou predizer fenômenos psicológicos e comportamentais.

Quando múltiplos e variados estudos dão suporte à qualidade do teste, as evidências são mais robustas do que as dos testes com estudos básicos que apenas preenchem os requisitos mínimos exigidos pelo CFP, conforme o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos do Conselho Federal (SATEPSI, https://satepsi.cfp.org.br/).

Desse modo, a existência do SATEPSI não significa que o psicólogo deva apoiar-se exclusivamente nele para sua escolha. Manter-se atualizado nos estudos dos testes usados frequentemente nas avaliações fará com que se possa extrair maiores informações dele para melhor fundamentar as conclusões do processo pericial, como também as orientações e os encaminhamentos.

A atuação qualificada requer atualização constante. Seguem algumas sugestões para os tópicos relacionados aos testes psicológicos:

  • Navegando constantemente, e sempre que necessário, pelo SATEPSI e conhecendo as listas de instrumentos privativos e não privativos dos psicólogos e a lista de testes favoráveis e não favoráveis para uso profissional. Os dados empíricos de suas propriedades devem ser revisados periodicamente, sendo que os estudos de validade, precisão e normas dos testes psicológicos terão prazo máximo de 15 anos (CFP, 2018). Veja também outras resoluções do CFP que ampliaram esses prazos por conta da pandemia de Covid-19, https://www.in.gov.br/web/dou/-/retificacao-298911197).
  • Conhecendo as editoras de testes disponíveis (o SATEPSI informa quais são elas) e realizando cadastros para receber informações e novidades referentes aos testes no mercado por lista de e-mails (mailing) e das redes sociais. Muitas editoras também oferecem cursos, palestras e seminários básicos ou avançados sobre seus testes (presenciais ou a distância, como os seminários via web – webnars –, sendo que alguns são gratuitos), qualificando o uso técnico operacional do instrumento.
  • Lendo e se atualizando com os artigos científicos recentemente publicados em periódicos nacionais e/ou internacionais sobre os testes usados. Muitas dessas pesquisas poderão, com o tempo, fazer parte de nova edição do manual do instrumento. Acesse as revistas cujo foco seja a avaliação psicológica, como a revista do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP): http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=1677-0471
    • Fazendo parte de associações profissionais e científicas, como a Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego (ABRAPSIT, https://www.abrapsit.org.br/), o IBAP (https://www.ibapnet.org.br), Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo, https://www.asbro.org.br/), Sociedade de Avaliação Psicológica de Minas Gerais (SAPSI-MG, http://www.sapsimg.com.br/) e participando de congressos e eventos dessas e de outras entidades.
  • Realizando cursos e formações teórico/práticas sobre os testes psicológicos, notadamente os mais complexos.
  • Estudando tópicos relacionados à estatística e à psicometria, por exemplo, por meio de minicursos e de palestras em congressos de psicologia ou de disciplinas de cursos de pós-graduação (e.g., especializações ou ainda no nível de mestrado/doutorado – nesse caso, existe a possibilidade, de acordo com alguns programas, de cursar disciplinas como aluno especial, sem que o aluno tenha ingressado, de fato, no programa).
    Veja, ainda, vídeos de uma iniciativa muito interesse, no canal Psicometria Online (https://www.youtube.com/channel/UCbz2Rc3WZk_mcUcRID5FNUw), além de lives e webnars gratuitos.
  • Estudando livros que abordam testes específicos, além dos seus respectivos manuais, como também sobre a fundamentação teórica referente ao construto avaliado. Além de livros-textos e manuais da área, como é o caso de Psicologia do trânsito e transporte: Manual do especialista, publicado pela editora Vetor (Cristo, 2019). Nesse livro, você encontrará em detalhes todos os tópicos aqui abordados, como também sobre a elaboração de documentos psicológicos e muito mais. A obra reúne e oferece, numa linguagem didática, subsídios teóricos, metodológicos e práticos que viabilizem a atuação, considerando um escopo amplo de ações desses profissionais. Por meio de múltiplos olhares, não só do campo da psicologia, como também da medicina, da sociologia e da arquitetura e urbanismo, renomados profissionais e pesquisadores do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos da América contribuem para expandir a formação e os horizontes de atuação do psicólogo no contexto das clínicas psicológicas, das empresas dos setores público e privado, da consultoria ou da academia. Navegue por todo o conteúdo do livro aqui: https://issuu.com/vetoreditora/docs/sumario_psicologia_transito-capa

 

Com base no que foi discutido, percebe-se que o universo da avaliação psicológica no contexto do trânsito é amplo, sendo nosso dever estarmos cada vez mais preparados para cumprir nossa missão perante a sociedade, de contribuir com a segurança no trânsito e com a saúde e o bem-estar das pessoas no que diz respeito à mobilidade.

 

Fábio de Cristo – Doutor em psicologia e Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi.

 

Referências

Brasil. (1997). Lei n. 9.503, institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília: Autor.
Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. [CREPOP]. (2009). Atuação dos Psicólogos em Políticas Públicas de Mobilidade urbana, Transporte e Trânsito – Relatório Descritivo Preliminar de Pesquisa. Brasília, DF: Edição do próprio autor.

Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas, [CREPOP]. (2018). Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas (os) em Políticas Públicas de Mobilidade
Humana e Trânsito. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia. Recuperado de http://crepop.pol.org.br/6213_referencias-tecnicas-para-atuacao-de-psicologas-em-politicas-publicas-de-mobilidade-humana-e-transito

Conselho Federal de Psicologia. [CFP]. (2013). Cartilha: Avaliação psicológica. Brasília: Edição do próprio autor.

Conselho Federal de Psicologia. [CFP]. (2018). Resolução CFP n. 009/2018. Brasília, DF: Edição do próprio autor.
Conselho Federal de Psicologia. [CFP]. (2019). Resolução CFP n. 1/2019. Brasília, DF: Edição do próprio autor.

Conselho Nacional de Trânsito. (2012). Resolução CONTRAN n. 425/12. Brasília, DF: Edição do próprio autor.

Cristo, F. (Org.). (2019). Psicologia do trânsito e transporte: Manual do especialista. São Paulo, SP: Vetor.

 

Gostou do conteúdo? Que tal dar uma olhadinha no livro Psicologia do Trânsito e Transporte: Manual do Especialista, por Fábio de Cristo?

Composição visual com a Capa do livro Psicologia do trânsito e transporte. Em segundo plano, imagem ampliada e desfocada da capa do livro.

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