Por Vinícius Figueiredo de Oliveira
A dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na aprendizagem e na decodificação de palavras isoladas. Para que o diagnóstico seja preciso, os prejuízos não podem ser explicados por: alfabetização inadequada, adversidade psicossocial, deficiência intelectual, problemas de acuidade visual ou auditiva, outros transtornos mentais, e falta de proficiência na língua de instrução acadêmica (APA, 2013).
A etiologia da dislexia é multifatorial e depende da interação de fatores genéticos e ambientais (Peterson & Pennington, 2015). Igualmente múltipla é a manifestação da dislexia, o que implica que ela terá níveis de gravidade diferentes, além de déficits distintos a depender de cada indivíduo. Os diversos tipos de erros persistentes que variam de um paciente para outro nós chamamos de subtipos de dislexia.
Para compreender melhor do que se tratam os subtipos, pensemos em um exemplo. Ao ler a palavra “PEDRA”, um indivíduo poderia apresentar diversos tipos de prejuízos, tais quais: ler de maneira lentificada, ler como um anagrama (e. g., PERDA), não acessar seu significado, ignorar uma fração da palavra durante a leitura, pensar que leu uma palavra de significado próximo (como “ROCHA”), ou até mesmo dizer que nunca viu tal palavra e que, por isso, não sabe o que quer dizer.
Cada tipo de erro persistente é decorrente de ao menos um déficit em alguma capacidade cognitiva envolvida na leitura (Friedmann & Coltheart, 2018). Por exemplo, a leitura lentificada pode ser característica da dislexia de superfície, na qual o indivíduo não armazena as palavras em seu léxico ortográfico e precisa sempre lê-las como se fosse a primeira vez, convertendo as letras em sons.
Apesar de o assunto em si ser instigante, um outro motivo pelo qual ele gera interesse é a detecção clínica de tais subtipos. Afinal, uma vez que cada subtipo é caracterizado por prejuízos diferentes, é natural que eles requisitem, também, intervenções específicas, de tal maneira que um diagnóstico cuidadoso se dedicaria a descrever qual é o déficit do paciente e em qual subtipo ele se enquadraria. O processo de identificação das dificuldades de leitura exige instrumentos adequados para tal.
No Brasil, não há um teste específico para captar subtipos de dislexia; contudo, a análise dos erros cometidos por pacientes pode nos levar à melhor caracterização do quadro.
Por exemplo, se a persistência do erro do paciente é em palavras abstratas, pode ser que se trate da dislexia profunda; se os erros são de omissão de uma parte da palavra (e. g., ler “PARÁFRASE” como “FRASE”), pode se tratar de um caso de dislexia de negligência.
Essa ideia é abordada na introdução teórica do manual do Teste de Leitura de Palavras e Pseudopalavras (TLPP I) do ANELE 4 (Salles, Piccolo & Miná, 2017). Nela, as autoras ressaltam a importância de analisar o erro para descrever qual construto cognitivo está prejudicado, e, além disso, reconhecem 6 subtipos de dislexia: negligência, alexia pura, de superfície, fonológica, semântica e profunda.
A partir da descrição dada por elas dos erros representativos de cada subtipo, os testes de leitura de palavras e pseudopalavras podem auxiliar não só na identificação de um transtorno de aprendizagem da linguagem escrita, mas também na captação do tipo de prejuízo característico do paciente.
Note, porém, que o tipo de erro depende da existência de estímulos sensíveis. Por exemplo, a dislexia de superfície é melhor identificada por meio de palavras irregulares, como “CABELO”, cuja vogal da sílaba tônica pronunciada como “ê” poderia ser lida com um timbre aberto “é”.
Um outro caso ilustrativo é a já mencionada dislexia de posição de letra, na qual o paciente lê a palavra como um anagrama (e. g., ler “CETRO” como “CERTO”) (Friedmann & Coltheart, 2018). Em suma, é necessário, também, verificar se os estímulos contidos em um teste de leitura de palavras são sensíveis aos subtipos que se busca avaliar.
Portanto, é indispensável que o profissional que realizará a investigação domine o processo para identificação do diagnóstico de dislexia, conheça os itens contemplados pelos testes e entenda a necessidade da análise dos erros de leitura do paciente.
Isto é, ainda que os testes presentes no português brasileiro não sejam direcionados para descrever a especificidade dos erros de leitura, o clínico pode utilizar a literatura a respeito dos subtipos para analisar os prejuízos, e, desta forma, descrever de maneira acurada os déficits persistentes dos pacientes.
Por meio da avaliação precisa, é possível direcionar as melhores intervenções e, consequentemente, aumentar as chances de prognósticos positivos para os quadros de dislexia.
Autor
Vinícius Figueiredo de Oliveira é psicólogo, mestrando pelo programa de pós-graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e pesquisador pelo Laboratório de Psicologia Médica e Neuropsicologia (LAPSIMN – UFMG).
Referências
American Psychiatric Association (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora.
Friedmann, N., & Coltheart, M. (2018). 35. Types of developmental dyslexia. Handbook of communication disorders, 721-752.
Peterson, R. L., & Pennington, B. F. (2015). Developmental dyslexia. Annual review of clinical psychology, 11, 283-307.
Salles, J. F., Piccolo, L. R., & Miná, C. S. (2017). Coleção Anele 1 – Avaliação de Leitura de Palavras e Pseudopalavras Isoladas-LPI. São Paulo: Vetor Editora