por Rosiane Valentim
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Quiet quitting (que significa “demissão silenciosa”) é uma expressão que ganhou forças nas últimas semanas nas redes sociais, especialmente entre os jovens. Uma enxurrada de comentários como “isso é mimimi”, “geração de desinteressadas”, “não vai trabalhar para ver”, “preguiçosos” etc., não tardaram a aparecer. O que será que realmente está acontecendo?
Estamos diante de uma geração preguiçosa e queixosa ou seria uma reação ao movimento “trabalhe enquanto os outros dormem”, “fique até tarde da noite no escritório”, propagado com orgulho por gerações anteriores?
Algumas matérias abordaram a demissão silenciosa como “fazer o mínimo esperado”. No entanto, não é bem essa a proposta que ganhou força nos últimos dias entre os jovens e compreender esses detalhes é muito importante para redução das críticas diante desse fenômeno. Não é sobre fazer o mínimo esperado, mas sobre fazer o mínimo para evitar aquilo que lhes faz mal para conseguir enfrentar um ambiente exaustivo e, por vezes, abusivo.
Com a chegada da pandemia, muitos jovens puderam refletir mais sobre seus lugares no mundo e rever seus propósitos de vida. Estudo recente da consultoria Deloitte destaca que jovens estão buscando mais flexibilidade e propósito em seus trabalhos.
Não há uma geração que não deseja trabalhar, há uma geração que deseja se manter viva e vivendo para além do trabalho, ao contrário de uma cultura global de excesso de trabalho que vem sendo alimentada nos últimos 20 anos.
Para estes jovens, é necessário colocar limites na rotina de trabalho de modo a manter a saúde e melhor desempenho. Vale ressaltar que a síndrome de burnout, doença de esgotamento ligado ao trabalho, é uma das doenças que mais acometeu pessoas nos últimos tempos, gerando afastamento de seus trabalhadores, sendo que muitos nem conseguem retomar à sua rotina laboral.
A pandemia também permitiu enxergar relações laborais abusivas marcadas por excesso de trabalho. Se há limites que não são respeitados, logo se faz necessário que, ao iniciar um trabalho, seja CLT ou autônomo, limites sejam estabelecidos e esclarecidos, saber o que a empresa espera do funcionário e se a empresa condiz com o que o funcionário espera. É no trabalho que as pessoas passam boa parte dos seus dias, então é importante que os valores da empresa vão de acordo com os do contratado.
A geração atual não está desinteressada ou desocupada com o trabalho, mas sim preocupada com sua saúde e bem-estar. Eles testemunharam amigos e familiares sendo afetados negativamente por rotinas exaustivas e buscam evitar isso em suas próprias vidas. Essa geração está comunicando aos empregadores a necessidade de repensar o ambiente de trabalho, promovendo valores humanistas além da produtividade.
Eles desejam equilibrar trabalho e vida pessoal, valorizando a saúde mental e o bem-estar geral. Essa abordagem, conhecida como “quiet quitting”, representa uma mudança de paradigma em relação ao trabalho, onde os indivíduos se recusam a aceitar condições prejudiciais. Eles buscam influenciar as práticas empresariais para promover um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável para as futuras gerações.
Engajamento parece ser a questão central na “demissão silenciosa”? O engajamento tornou-se o objetivo das estratégias de gestão de pessoas. De acordo com um artigo publicado no site da Forbes Brasil em agosto de 2022¹, a palavra “engajamento” apareceu em 1990 numa matéria publicada por William Kahn, por isso considerado “pai do engajamento”.
Tempos depois, ele sinaliza que existe um uso desvirtuado do que ele quis dizer: para ele, engajamento acontece quando as pessoas podem “[…] trazer mais ou menos de si mesmo para seu papel no trabalho” (MCGREGOR, 2022, s/p). Engajada, a pessoa sente poder dizer o que pensa e sente, dão tudo de si porque percebem que fazem parte de um propósito.
No entanto, denuncia Kahn, nos últimos anos, a palavra “engajamento” foi usada para orientar estratégias para absorver e energizar os empregados em nome da organização. Ao deslocar o olhar da pessoa – engajamento pessoal – para o funcionário, perdeu-se de vista a conexão pessoal entre os trabalhadores e entre o empregado com os valores/propósitos da empresa sentidos como sendo valores/propósitos pessoais.
Como engajar uma geração impactada pela pandemia da Covid-19? O isolamento social, o teletrabalho, as aulas online, que potencializaram a virtualização da vida, provocaram mudanças profundas nas relações humanas em todas suas dimensões.
A vida, por fim, colocou uma lupa sobre uma vida robotizada pelo trabalho e por uma escola impessoais, cujos contextos impediam ou dificultavam a valorização dos relacionamentos íntimos e interpessoais, da quietude, do equilíbrio entre as atividades diárias, etc.
Essa constatação atingiu também gerações mais velhas que, de repente, perceberam que maior parte da sua existência, por exemplo, se deu longe de seus familiares e pautada pela relação produção-consumo.
Ter clareza de suas prioridades e lutar por elas, assumindo a responsabilidade diante da vida que deseja viver e deixando isso claro em relações pessoais e de trabalho, faz parte do processo de autocuidado.
Não é sobre uma geração que deseja nada com nada: é uma geração que precisa ser ajudada a se manter firmes na busca por um trabalho que os vejam como humanos e não como máquinas a produzir.
Autora
Rosiane Valentim, psicóloga graduada pela Faculdade Adventista da Bahia (FADBA), Gestalt-terapeuta pelo Instituto Carioca de Gestalt-Terapia, formação na clínica com adolescentes/jovens, supervisora clínica com foco na adolescência e orientadora profissional para adolescentes/jovens.