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Cognição em bebês: Desenvolvimento, Avaliação e Implicações para a Prática Clínica
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Cognição em bebês: Desenvolvimento, Avaliação e Implicações para a Prática Clínica

a imagem mostra um bebe sentado ao chão com seu cuidados apresentando um brinquedo.

Por Débora Marques de Miranda & Leandro Malloy-Diniz

O desenvolvimento cognitivo infantil revela que os bebês são seres complexos e sensorialmente hábeis desde o nascimento, desmistificando a ideia de “tábulas rasas”. Em termos sensoriais, a visão dos recém-nascidos é inicialmente limitada, com preferência por alto contraste e rostos humanos em curta distância, mas evolui rapidamente para uma acuidade próxima à adulta no primeiro ano, ao passo que a audição é plenamente funcional desde o útero, permitindo a discriminação de sons e a preferência pela voz materna. A percepção espacial e a noção básica de número também estão presentes precocemente, com a cognição sendo estudada por métodos indiretos como habituação/desabituação, olhar preferencial, condicionamento, rastreamento ocular e neuroimagem não invasiva. Esses métodos demonstram que os bebês desenvolvem atenção, diferentes tipos de memória e habilidades precursoras da linguagem, como discriminação de fonemas, balbucio, gestos e atenção conjunta. A permanência do objeto, um conceito central na teoria de Piaget, que descreve a compreensão de que objetos continuam existindo mesmo quando não visíveis, é adquirida gradualmente, embora pesquisas recentes sugiram uma compreensão rudimentar muito mais cedo. Além disso, a capacidade de categorização é fundamental para organizar o conhecimento. Teorias como a de Piaget, as escalas de Gesell e a Teoria dos Sistemas Dinâmicos de Thelen e Smith explicam como o desenvolvimento é um processo contínuo e emergente, influenciado por fatores biológicos e ambientais. Compreender a cognição infantil é crucial para orientar pais, educadores e programas de intervenção precoce, ressaltando tanto a complexidade quanto o fascínio do processo ativo de construção do conhecimento nos primeiros anos de vida, sustentado por um intrincado balanço entre o inato e o experiencial.

Introdução à cognição infantil

Entende-se por cognição o modo como a mente humana se organiza em termos de percepções, memórias, crenças, conceitos, aprendizado, conhecimento etc. De maneira mais abrangente, o termo cognição engloba todos os processos pelos quais a entrada sensorial é transformada, reduzida, elaborada, armazenada, recuperada e utilizada, mesmo quando esses processos operam na ausência de estimulação relevante (Bayne et al., 2019). Essa abordagem foca as atividades e os processos relacionados à aquisição, ao armazenamento, à recuperação e ao processamento de informações, independentemente de serem explícitos ou conscientes. Nos estudos de bebês, uma questão que comumente os nortearam é justamente compreender como os pequenos percebem o mundo e se haveria paralelo com a percepção do adulto. A melhor resposta até o momento é que o bebê é um ser eminentemente sensorial com muitas habilidades inatas e com ganho rápido de habilidades em outras esferas em crescente complexidade.

A compreensão do bebê como algo diferente de um pequeno adulto possibilitou avanços no conhecimento da cognição acerca da cognição infantil, os quais serão detalhados no decorrer deste capítulo.

Objetivos

Este capítulo visa:

  • introduzir o conceito de cognição e os aspectos cognitivos em bebês;
  • apresentar os Métodos de Estudo da Cognição em bebês;
  • discutir o Desenvolvimento Sensorial e Perceptual; e
  • apresentar fatores relacionados aos aspectos da cognição de bebês tanto biológicos quanto ambientais

Desenvolvimento: aspectos históricos

No último século, os bebês passaram de incompetentes cognitivamente, ditos tabulae rasae, ou seja, “um conjunto de reflexos de pouca ajuda”, para seres extremamente complexos sensorialmente e surpreendentes em termos cognitivos e, consequentemente, repletos de meios de estudos (Moll & Tomasello, 2010). Ainda nos primeiros 28 dias de vida, no período neonatal, os bebês são aptos a discriminar formas de objetos e faces, reconhecer o que é estável e lembrar. Além disso, são capazes de processar informação abstrata, comparando desfechos e pareando-os entre diferentes modalidades sensoriais, em um grau de sofisticação impossível de reconhecer antes do advento da neurociência.

Por meio da interação com os objetos, os bebês abstraem informações sobre suas propriedades e estrutura, realizam categorização e, progressivamente, constroem seu entendimento de mundo nos primeiros anos de vida. Nesse processo, as habilidades biológicas e inatas se misturam com as experiências ambientais, mediadas pelos reflexos sensório-motores. Um dos grandes exemplos da cognição dos bebês na teoria de Piaget é o conceito de permanência do objeto, habilidade adquirida entre 8 e 9 meses de vida. Considera-se que nessa condição a criança adquire uma representação de mundo e se torna capaz de memorizar a localização de um objeto escondido.

A avaliação cognitiva de bebês tem suas raízes no movimento de testes de inteligência do fim do século XIX e início do século XX. O interesse pelo desenvolvimento e uso de instrumentos de avaliação cognitiva infantil tem crescido e ganhado força pelo entendimento de que o estímulo precoce é capaz de minimizar o impacto de déficits ao longo da vida.

Em termos históricos, Arnold Gesell foi o pioneiro da avaliação infantil (Gesell et al., 1934). Inúmeros instrumentos de avaliação cognitiva infantil desenvolvidos posteriormente incluíam muitos dos itens desenvolvidos por Gesell, cujo objetivo principal ao desenvolver as escalas era identificar os bebês que precisavam de assistência na área de bem-estar e higiene. As escalas iniciais, publicadas em 1925, já consistiam em 144 itens em quatro áreas gerais: motora, linguagem, adaptativa e comportamento pessoal/social. As escalas tinham por objetivo avaliar de forma ampla e clínica. Na década de 1970, foram estabelecidas normas mais adequadas para bebês de 1 mês a 5 anos de idade. Na compreensão de Gesell, o desenvolvimento era influenciado pela genética e pelo processo de maturação. As escalas de Gesell, com seus quocientes de desenvolvimento nas diferentes áreas, forneceram a base para diversos outros instrumentos de avaliação, como a Escala Brunet-Lezine e a Escala Griffiths de Desenvolvimento Mental, ambas publicadas na decada de 1950. Cattell usou muitos dos critérios do Gesell, porém eliminou aqueles que se julgava influenciados pelo treinamento em casa ou pelo controle muscular amplo, tornando a pontuação mais objetiva e padronizada desde o nascimento até os 30 meses. Ambos buscavam enfatizar em seus testes a compreensão das habilidades inerentes do bebê e diminuir o papel do ambiente. Na Califórnia, Bayley (1993) também usou os esquemas de Gesell, em sua primeira Escala Mental do Primeiro Ano da Califórnia. Em sua forma atual, as escalas incluem escalas mentais e motoras e um registro de comportamento para avaliar bebês de 1 a 30 meses. As escalas Bayley são talvez as mais amplamente utilizadas e culturalmente validadas, e há um grande corpo de pesquisa documentando sua confiabilidade (Bayley, 1993).

Outra ferramenta bastante abrangente e eficaz na avaliação de bebês é a Battelle Developmental Inventory (BD1-3), atualmente em sua terceira edição (Newborg, 2020). Trata-se de uma bateria padronizada para avaliar o desenvolvimento infantil, administrada individualmente em crianças de 0 a 7 anos. Ela foca marcos de desenvolvimento essenciais divididos em cinco domínios: socioemocional, adaptativo, comunicação, motor e cognitivo. Cada domínio tem subdomínios específicos e é organizado em um livro de teste separado, que pode ser administrado de forma independente.

O BDI-3 contém até 415 itens, abrangendo aspectos como articulação da fala, indicadores do espectro autista e funcionamento executivo, e considera a influência da tecnologia, normas sociais e diferenças culturais. A aplicação pode incluir procedimentos estruturados, observação e entrevistas, proporcionando uma avaliação mais completa e precisa do desenvolvimento da criança. As escalas geraram método quantitativo e qualitativo para permitir a avaliação do desenvolvimento, com seus campos e seus aspectos relacionados desde a primeira infância até a idade escolar.

Com o trabalho de Piaget, a observação naturalista emergiu como uma nova abordagem teórica para o estudo do desenvolvimento infantil, bem como para a avaliação e denominação da cognição em bebês. Em contraste com estudos anteriores, a teoria piagetiana propõe que o desenvolvimento ocorre em uma série de estágios hierárquicos, qualitativamente diferentes, dependentes da interação do bebê com seu ambiente, no qual o indivíduo é um ser ativo de seu desenvolvimento. Nesse processo de desenvolvimento, o bebê vivencia uma experiência e balanceia entre assimilação e acomodação. Da infância para a adolescência, as crianças progridem por quatro estágios psicológicos: (1) o sensorimotor, do nascimento aos dois anos; (2) o pré-operacional, dos 2 aos 7 anos; (3) o de operação concreta, dos 7 aos 12 anos; e (4) o de operações formais, por volta dos 12 anos. Por meio dessa migração, as crianças vão de aspectos sensoriais e motores básicos para pensamento abstrato, hipotético e contrário aos fatos observados (Piaget, 1935, 2021). Com base na teoria piagetiana, foram desenvolvidas três escalas: a Escala de Casati-Lezine, as Escalas de Desenvolvimento Sensório-motor de Albert Einstein, de Corman e Escalona, e as Escalas de Desenvolvimento Psicológico Infantil (IPDS), de Uzgiris e Hunt.

Para demonstrar como os bebês progridem de reflexos simples para comportamentos cada vez mais complexos, intencionais e coordenados, o estágio sensório-motor foi dividido nos subestágios a seguir:

  • Reações circulares: comportamentos repetitivos que auxiliam o bebê nas explorações: primárias, as quais são focadas no próprio corpo; secundárias, cujo foco recai sobre objetos externos; e terciárias, que envolvem experimentação ativa.
  • Permanência do objeto: a compreensão de que um objeto continua a existir mesmo quando não pode ser visto, ouvido ou tocado. Piaget detalhou como essa compreensão se desenvolve gradualmente, culminando na capacidade de buscar ativamente um objeto escondido. Essa foi uma de suas descobertas mais influentes, mostrando que os bebês constroem representações mentais do mundo.
  • Comportamento dirigido a metas: no fim do estágio sensório-motor, os bebês começam a usar esquemas coordenados para resolver problemas simples e atingir objetivos.
  • Início da representação mental:no fim deste estágio, os bebês começam a formar representações mentais de objetos e eventos, um precursor fundamental para o pensamento simbólico e o desenvolvimento da linguagem.

Esther Thelen e Linda Smith propuseram, em 1994, que o desenvolvimento é um processo dinâmico e emergente, resultante da interação contínua entre o corpo do bebê, o ambiente, o estímulo e o desenvolvimento biológico do sistema nervoso. Essa abordagem ajuda a explicar a variabilidade no desenvolvimento e a maneira como as habilidades motoras, perceptivas e cognitivas se influenciam mutuamente. A Teoria dos Sistemas Dinâmicos (TSD) é uma abordagem do desenvolvimento que enfatiza a forma dinâmica da complexidade, da interconexão e da natureza não linear do crescimento e da mudança sem estágios fixos, em um processo contínuo e emergente, resultante das interações dinâmicas entre múltiplos fatores (Smith, 2006; Thelen & Smith, 1994).

Eis os princípios fundamentais da TSD:

  • Natureza não linear e emergente:
  • O desenvolvimento é um processo contínuo e flexível, no qual novas habilidades ou comportamentos resultam da interação de componentes do sistema.
  • Pequenas mudanças em um componente podem levar a grandes transformações no comportamento geral do sistema.
  • Auto-organização:
  • Os sistemas se organizam espontaneamente com base nas interações de suas partes, sem a necessidade de um controle ou programação genética.
  • As soluções comportamentais não são instruídas, mas descobertas em resposta aos desafios e às oportunidades do ambiente.
  • Multicausalidade e interconexão:

O desenvolvimento é influenciado por uma multiplicidade de fatores que interagem continuamente em diferentes níveis:

  • Nível biológico/neural: genética, maturação cerebral, características físicas do corpo (força, peso, coordenação).
  • Nível psicológico/cognitivo: atenção, memória, motivação, intenções, emoções.
  • Nível ambiental/social: oportunidades do ambiente, interação com cuidadores, presença de brinquedos, normas culturais.

Nenhum fator é isoladamente determinante do desenvolvimento.

  • Sensibilidade ao contexto e especificidade da tarefa:
    • O comportamento e o desenvolvimento são altamente sensíveis ao contexto imediato e à tarefa específica em questão.
    • Variações individuais e momentâneas são a norma, não a exceção.
  • “Soft assembly” ou montagem suave:
    • Em vez de comportamentos serem rigidamente programados, eles são montados de modo suave no momento, utilizando os recursos disponíveis do corpo, da tarefa e do ambiente.
    • Isso explica a flexibilidade e adaptabilidade do desenvolvimento.
  • Embodiment ou incorporação:
    • A cognição não é algo que ocorre apenas na mente ou no cérebro de forma isolada, mas é intrinsecamente ligada às ações motoras e às experiências sensoriais no mundo.

Com o desenvolvimento de teorias e tecnologias, tornou-se possível intregar conhecimentos que vão desde a genética – incluindo a herdabilidade e a funcionalidade de suas variantes – até sistemas de imagem capazes de captar dados com os bebês acordados e executando atividades. As teorias vêm sendo enriquecidas por múltiplos aspectos experimentais que já traduzem elementos que explicam os aspectos biológicos de nosso desenvolvimento, desde seu ritmo até suas particularidades, assumindo que conhecimento sobre o inato e o biologicamente determinado está em expansão. A neurociência certamente ainda trará muitas informações e clareza sobre o funcionamento do cérebro e da cognição, uma vez que se trata de um processo em início, que será exemplificado a seguir.

Formas de estudar a cognição dos bebês

O método de habituação e desabituação ajuda a compreender como os sentidos funcionam desde o nascimento. Nos estudos de habituação, aplicando estímulo visual, a duração de fixação a um dispositivo pode ser medida por meio de várias tentativas. A habituação acontece quando a atenção visual a um estímulo diminui ao longo do tempo. Se um novo estímulo é apresentado, a recuperação do tempo de olhar – a desabituação vai acontecer. A habituação é uma forma de aprendizagem, que se refere ao declínio de atenção a um alvo repetido; isso quer dizer que a criança se lembra do que vê e que isso foi modificado à medida que foi testado (Lejeune et al., 2010). Nove minutos após o nascimento, os bebês já são capazes de distinguir faces, diferenciar linhas curvas e retas, conceber a unidade de objetos parcialmente escondidos ou discriminar pequenas quantidades, como dois ou três objetos (Antell & Keating, 1983; Valenza et al., 2006). O “senso de numerosidade” também está presente de forma inata e conservado em diferentes espécies (Bisazza et al., 2010).

Outros métodos também foram descritos para inferir processos cognitivos que não podem ser observados diretamente:

  • Habituação/desabituação: bebês tendem a olhar por menos tempo para estímulos familiares (habituação) e por mais tempo para estímulos novos ou diferentes (desabituação). Esse método revela a capacidade de discriminar entre estímulos, formar memórias e
  • Olhar preferencial: se um bebê olha consistentemente por mais tempo para um dos dois estímulos apresentados, isso sugere que ele pode discriminar entre eles e tem uma preferência. É usado para estudar a percepção visual, a discriminação de cores, formas e rostos.
  • Condicionamento: por meio do condicionamento operante (por exemplo, chutar para fazer um móbile se mover), os pesquisadores podem avaliar a memória de longo prazo e a compreensão da relação causa-efeito em bebês.
  • Rastreamento ocular: a técnica eyetracking permite medir precisamente para onde o bebê está olhando, por quanto tempo e como seus olhos se movem em resposta a estímulos visuais. Isso oferece insights detalhados sobre atenção, processamento de informações e expectativas.
  • Neuroimagem não invasiva:
    • Eletroencefalografia (EEG): mede a atividade elétrica no cérebro por meio de eletrodos no couro cabeludo. Pode mostrar como o cérebro do bebê responde a sons, imagens ou interações sociais.
    • Espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS): Usa luz infravermelha para medir as mudanças no fluxo sanguíneo cerebral, indicando áreas do cérebro ativas durante tarefas cognitivas.

Na prática da pediatria, psicologia, pedagogia, fonoaudiologia e terapia ocupacional ou qualquer outro profissional de saúde envolvido no cuidado com as crianças, as escalas de avaliação do desenvolvimento infantil estabelecem uma relação direta e crucial com o desenvolvimento cognitivo, pois são ferramentas padronizadas projetadas para mensurar e monitorar o progresso dos bebês em diversas áreas, incluindo as funções cognitivas. Essas escalas, como as de Gesell ou Bayley, e aquelas inspiradas em Piaget, traduzem as teorias de desenvolvimento em marcos observáveis, permitem identificar a presença e a qualidade de habilidades cognitivas como a permanência do objeto, a atenção, a memória e a capacidade de resolução de problemas, mesmo na ausência de linguagem verbal. Ao comparar o desempenho de um bebê com normas estabelecidas para sua faixa etária, as escalas auxiliam na detecção precoce de desvios ou atrasos no desenvolvimento cognitivo, possibilitando intervenções oportunas que podem otimizar o potencial de aprendizado e desenvolvimento da criança.

Com base nesses métodos, é possível mensurar várias facetas da cognição infantil:

  • Atenção: capacidade de focar estímulos e alternar o foco.
  • Memória: reconhecimento (lembrar de um estímulo previamente visto) e memória de trabalho (manter e manipular informações).
  • Linguagem: reconhecimento de sons da fala, balbucio, compreensão de palavras e frases simples, além das primeiras produções verbais.
  • Permanência do objeto: compreensão de que os objetos continuam a existir mesmo quando não podem ser vistos.
  • Noção de causa e efeito: entendimento de que certas ações levam a resultados previsíveis.
  • Resolução de problemas: a capacidade de superar obstáculos para atingir um objetivo (por exemplo, puxar uma toalha para alcançar um brinquedo).
  • Cognição social: compreensão das intenções, emoções e pontos de vista dos outros.

Características de aspectos cognitivos do bebê

Percepção sensorial

O desenvolvimento da visão em bebês é um processo gradual, intimamente ligado à maturação do sistema nervoso central e do sistema visual. Ao nascer, a acuidade visual dos recém-nascidos é bastante limitada, sendo de aproximadamente 20/400 (ou 20/600), e a visão periférica é mais desenvolvida que a central. Eles percebem o mundo de forma embaçada, com uma preferência por alto contraste, padrões complexos e, especialmente, rostos humanos, que são uma das primeiras coisas que conseguem focar a cerca de 20 a 30 cm de distância. O estímulo visual começa a ter visão e percepção de profundidade por volta dos 4 meses (Jandó et al., 2012). Inicialmente, a percepção de cores é rudimentar, limitada a tons de vermelho, verde e amarelo, mas melhora rapidamente nos primeiros meses, conforme os cones da retina amadurecem. A coordenação binocular, essencial para a percepção de profundidade, começa a se desenvolver por volta dos 3 a 5 meses de idade, permitindo que os bebês comecem a seguir objetos com ambos os olhos e a julgar distâncias com mais precisão. No fim do primeiro ano, a visão da criança se aproxima da acuidade de um adulto, demonstrando a rápida e complexa evolução sensorial que ocorre nesse período crítico.

A audição funciona perfeitamente no nascimento, sendo funcional no útero. Fetos podem discriminar dois sons puros e duas notas baixas no piano. Além disso, são capazes de discriminar entre uma voz feminina e uma voz masculina (Lecanuet et al., 1993), reconhecer a voz materna e demonstrar preferência por ela (DeCasper & Fifer, 1980). Um pouco mais tarde, distinguem a língua nativa e demonstram preferência por ela (Mehler et al., 1988; Moon et al., 1993).

A percepção espacial é inata, sendo considerada uma das habilidades mais importantes para os bebês. Desde cedo, eles conseguem distinguir entre duas e três dimensões (Slater et al., 1984). Mesmo no período neonatal, eles buscam a direção de um objeto emitindo um som, demonstrando uma percepção auditiva no espaço e orientação (Clifton et al., 1991). As informações provenientes de diferentes sentidos precisam ser integradas em representações do estímulo, englobando todas as suas propriedades, para que possam ser posteriormente interpretadas.

 

Atenção

A atenção de bebês é observada desde os primeiros dias, uma vez que é influenciada por fatores intrínsecos e sociais, tais como a interação com os cuidadores (Forest & Amso, 2023). Desde o nascimento, demonstram preferência pela face e voz humanas. Ao demonstrar um comportamento responsivo, os cuidadores estimulam a atenção das crianças, que também exibem um processo cognitivo intrínseco que molda a atenção do bebê (Phillips et al., 2023). A habilidade para focar objetos e pessoas é ampliada pelo ambiente psicológico seguro, permitindo ao (Forest & Amso, 2023). A atenção é amplamente relacionada ao aprendizado e à memória nos bebês, sendo potencialmente importante para o desenvolvimento cognitivo subsequente (Forest & Amso, 2023).

 

Memória

O desenvolvimento da memória se torna mais evidente no fim do primeiro semestre de vida, com crianças relembrando eventos, aprendendo rapidamente e aumentando a retenção de longo prazo (Heimann et al., 2013). Crianças aprendem melhor quando existem associações anteriores, com a chamada potenciação associativa (Heimann et al., 2013). Os mecanismos de atenção influenciam como as crianças processam e armazenam informação (Forest & Amso, 2023). Estudos de eye-tracking demonstram que quando as crianças exibem uma memória de recuperação mais flexível, padrões de atenção não se diferenciam entre os grupos mais jovens (Heimann et al., 2013). Fatores como estresse e aspectos emocionais podem impactar o desenvolvimento da memória (Courage, 2008).

O desenvolvimento da memória dos bebês envolve a velocidade de codificação, duração da memória, recuperação de memória e flexibilidade. É difícil avaliar e ter clareza da memória dos bebês sem poder contar com a habilidade verbal. Contudo, sabe-se que os bebês têm uma capacidade mnemônica melhor do que se pensava inicialmente. Enquanto a memória recente é frágil, bebês podem relembrar experiências novas por até seis meses de idade (Heimann et al., 2013). A memória semântica, que envolve armazenamento de fatos e conceitos, começa a se formar até mesmo quando a memória episódica não está retida (Newcombe et al., 2024).

 

Linguagem

A linguagem surge de uma série de habilidades cognitivas preexistentes e, por sua vez, é capaz de moldar e expandir a cognição.

  1. a) Percepção da fala

Antes mesmo de produzir palavras, os bebês são ouvintes notavelmente sintonizados com a fala humana.

  • Discriminação de fonemas: nos primeiros meses de vida, bebês são capazes de discriminar todos os fonemas presentes em qualquer idioma, mesmo aqueles que não existem em sua língua materna. Por volta dos 6 aos 12 meses, sua capacidade de discriminar fonemas de outras línguas diminui, e eles se tornam especialistas nos sons da língua que ouvem com maior frequência.
  • Segmentação de palavras:o fluxo da fala é contínuo, sem pausas claras entre as palavras. Bebês utilizam mecanismos de aprendizado estatístico para identificar padrões de sons que ocorrem juntos com frequência e aqueles que ocorrem menos frequentemente. Essa habilidade de segmentar palavras é crucial para construir um vocabulário.
  1. b) Comunicação pré-linguística

Antes mesmo das primeiras palavras, bebês se comunicam de diversas maneiras:

  • Balbucio:por volta dos 6 aos 8 meses, bebês começam a balbuciar, produzindo uma série de sons de fala. Inicialmente, o balbucio pode ser reduplicado, evoluindo depois para um balbucio variado, que se assemelha mais à entonação da fala adulta. O balbucio é um treino vocal importante e uma forma de interação social.
  • Gestos:gestos comunicativos, como apontar, acenar (“tchau”) ou sacudir a cabeça (“não” e “sim”), emergem antes das palavras. O apontar, em particular, é um gesto poderoso, usado para solicitar algo ou para chamar a atenção para algo interessante (apontar para um avião no céu, por exemplo). Esses gestos são precursores diretos da linguagem.
  • Contato visual e atenção conjunta: a capacidade de compartilhar o foco de atenção com outra pessoa em um objeto ou evento (atenção conjunta) é vital para o desenvolvimento da linguagem. Quando um adulto aponta para um objeto e diz seu nome, o bebê que participa da atenção conjunta consegue associar a palavra ao objeto, acelerando a aquisição do vocabulário. O contato visual é parte essencial dessa interação, estabelecendo a base para a comunicação recíproca.
  1. c) Primeiras palavras e frases

Por volta dos 12 meses, a maioria dos bebês produz suas primeiras palavras significativas, geralmente referindo-se a objetos familiares, pessoas ou ações.

  • Vocabulário: o vocabulário de um bebê cresce lentamente no início, mas muitas crianças experimentam uma “explosão de vocabulário” entre 18 e 24 meses, aprendendo novas palavras em um ritmo acelerado.
  • Frases de uma palavra: inicialmente, uma única palavra pode transmitir o significado de uma frase completa (por exemplo, “bola” pode significar “Eu quero a bola” ou “Olhe a bola”).
  • Frases de duas palavras: por volta dos 18 aos 24 meses, os bebês começam a combinar duas palavras (“Mamãe comer”, “Carro ir”), omitindo palavras funcionais (artigos, preposições), porém mantendo o significado essencial. Essa “fala telegráfica” marca o início da sintaxe.

 

Categorização

A categorização é a habilidade de agrupar objetos, eventos ou pessoas em categorias com base em suas semelhanças, o que é essencial para organizar o conhecimento e fazer inferências sobre novas informações. Bebês demonstram habilidades de categorização desde os primeiros meses de vida. Inicialmente, a categorização em bebês pode ser baseada em características perceptuais (forma, cor etc.). Com o tempo, eles desenvolvem categorias mais abstratas e conceituais (por exemplo, animais que voam vs. animais que nadam), mesmo que não tenham visto todos os membros da categoria. Essa habilidade é um precursor importante para a formação de conceitos e para a aquisição da linguagem.

 

Conceito de número

Bebês, mesmo muito jovens, demonstram noções básicas de quantidade. Eles conseguem rastrear pequenas quantidades e estimar conjuntos maiores, sugerindo uma competência numérica fundamental que está ligada a outras dimensões cognitivas, como espaço e tempo (Hevia, 2015). Os bebês são capazes de discriminar entre pequenos conjuntos de itens, um fenômeno conhecido como “subitização” para quantidades de até três ou quatro. Essa compreensão numérica precoce é ainda corroborada pela capacidade de os bebês detectarem relações ordinais em sequências numéricas, indicando uma compreensão sofisticada da ordem numérica (Hevia ). Além disso, os bebês reconhecem a relevância da contagem para os conceitos numéricos, o que auxilia sua capacidade de diferenciar quantidades mesmo antes de compreenderem completamente as palavras numéricas (Wang & Feigenson, 2019).

Interação social e emocional

O desenvolvimento social dos bebês é influenciado por suas interações com os cuidadores e o ambiente. As relações no início da vida, as trocas emocionais e o aprendizado social moldam as capacidades sociais e emocionais. Relações positivas e calorosas são essenciais para um desenvolvimento saudável, pois nelas o bebê influencia seu próprio crescimento social (Sakagami, 2023). Já é conhecido como o bebê começa a olhar e compreender o outro, sobretudo por meio da busca de algumas áreas de reconhecimento facial, sensibilidade a interações sociais e monitoramento do comportamento dos outros (Rochat, 2014).

 

Percepção do objeto

Em sua teoria, Piaget propõe a ideia de que os objetos continuam a existir mesmo quando não estão visíveis – conceito conhecido como permanência do objeto, considerado um marco fundamental no estágio sensório-motor do desenvolvimento. Segundo Piaget, os bebês adquirem essa noção de modo gradual. Até os 8 meses, bebês frequentemente agem como se “fora da vista, fora da mente”. Se um brinquedo é coberto, eles não procuram por ele. Entre 8 e 12 meses, começam a procurar por objetos escondidos, mas ainda cometem o erro A-não-B. Se um objeto é escondido repetidamente em um local “A” e, em seguida, é colocado no lugar “B” diante do bebê, ele ainda tende a procurá-lo no local “A”. Piaget interpretou isso como uma limitação em sua representação mental do objeto, ainda ligada às suas próprias ações. A partir dos 12 meses, superam gradualmente o erro A-não-B e começam a procurar o objeto onde ele foi visto pela última vez, indicando uma representação mental mais robusta e independente da ação. Atualmente, por meio de outras metodologias, acredita-se que os bebês podem ter uma compreensão rudimentar da permanência do objeto muito mais cedo do que Piaget propôs. Baillargeon mostrou que bebês de apenas 3 ou 4 meses se surpreendem com eventos “impossíveis” nos quais objetos parecem desaparecer ou atravessar superfícies, o que sugere que eles já esperam que os objetos continuem a existir mesmo quando ocultos. Essas descobertas indicam que a compreensão da permanência do objeto pode ser inata ou se desenvolver muito precocemente. Entre 6 e 12 meses, as habilidades motoras já expandiram, e o bebê passa a interagir amplamente com o ambiente: alcança e inspeciona objetos, segura-os, leva-os à boca e até os joga fora.

 

Funções executivas

As funções executivas são conhecidas por sua longa maturação durante o ciclo vital. O ápice do desenvolvimento dessas funções ocorre no fim da adolescência e início da idade adulta. No entanto, mesmo que de maneira rudimentar, pode-se observar, aos 9 meses de vida, que os bebês já conseguem inibir respostas automáticas, modificando padrões de comportamento que anteriormente foram reforçados (Diamond, 2020). Assim, pode-se considerar que o ponto de partida para o desenvolvimento das funções executivas ocorre no segundo semestre de vida.

 

Fatores que influenciam o desenvolvimento cognitivo

O desenvolvimento cognitivo de um bebê é um processo intrincado e multifacetado, moldado por uma complexa interação de fatores biológicos, ambientais e socioculturais. A base para esse desenvolvimento tem a ver com os aspectos biológicos, nos quais a genética estabelece um plano fundamental para a maturação neural e a capacidade inata de processamento de informações. Paralelamente, a saúde pré-natal é crítica, visto que o ambiente intrauterino determina a formação adequada do cérebro fetal. Após o nascimento, a rápida maturação cerebral, marcada pela proliferação de sinapses e pela mielinização, favorece a aquisição de habilidades visuais, auditivas, de memória e de linguagem, todas sustentadas por uma nutrição adequada, essencial para a função cerebral e para a aprendizagem.

Além da biologia, o ambiente em que o bebê está inserido exerce uma influência profunda. A qualidade da interação cuidador-bebê, caracterizada por respostas sensíveis e afetivas, é um pilar para o desenvolvimento da linguagem, da cognição social e da atenção, além de fomentar um apego seguro que encoraja a exploração e o aprendizado. Um ambiente rico e estimulante, com acesso a brinquedos e experiências variadas, promove a formação de conexões neurais e a aquisição de habilidades de resolução de problemas e de compreensão do mundo. Contudo, o reverso também é verdadeiro: a exposição prolongada a um ambiente de estresse tóxico pode prejudicar a arquitetura cerebral, afetando de modo adverso a regulação emocional, a atenção e a memória.

As culturas e os contextos sociais em que o bebê cresce delineiam as oportunidades e a valorização de certas habilidades. Diferentes culturas podem priorizar o desenvolvimento de certas competências, moldando as experiências de aprendizado e as interações sociais. As práticas de criação culturalmente específicas, como padrões de sono ou métodos de comunicação, influenciam diretamente as rotinas e as oportunidades de interação do bebê, impactando aspectos de seu desenvolvimento cognitivo e social. Da mesma maneira, a exposição e a estrutura da linguagem variam culturalmente, afetando a aquisição da linguagem e a organização do pensamento. Assim, o desenvolvimento cognitivo de um bebê resulta da interação contínua entre sua herança biológica, as experiências fornecidas pelo ambiente imediato e as influências mais amplas do contexto cultural e social, todos interligados em um processo dinâmico e intrincado.

 

Implicações práticas e conclusão

As perspectivas sobre o desenvolvimento infantil, à luz do conhecimento da cognição em bebês, adquirem um valor prático ao transcender a mera compreensão teórica e se tornarem um guia essencial para pais e cuidadores. A compreenção da complexidade e da rápida evolução cognitiva nos primeiros anos de vida permite que a interação e o estímulo sejam intencionais, eficazes e adaptados às demandas específicas de cada fase da criança. Leis relativas à inclusão e educação de deficientes estabelecem intervenção precoce para bebês do nascimento aos 3 anos de idade como forma de estimular o desenvolvimento e otimizar o desfecho individual. Houve uma transição de formas menos objetivas, com capacidade de inferência limitada, para a observação de marcos do desenvolvimento e a criação de instrumentos cada vez mais padronizados, voltados a documentar atrasos no desenvolvimento, identificar bebês e crianças em risco, planejar serviços de intervenção e avaliar sua eficácia. Atualmente, não faltam instrumentos, basta compreender bem qual o alvo de avaliação e estruturar a intervenção com boa qualidade de caracterização e grau de evidência para intervenções.

Essa base de conhecimento também é fundamental para a educação infantil, servindo como alicerce para a criação de currículos e práticas pedagógicas que respeitem e potencializem as capacidades inatas e o processo de aprendizado dos pequenos. Além disso, a clareza sobre os marcos e as nuances do desenvolvimento cognitivo fortalece a importância da intervenção precoce, garantindo que programas possam ser eficazes e disponíveis para identificar e apoiar bebês com atrasos, minimizando potenciais impactos futuros. Em suma, a síntese desse entendimento reafirma não apenas a riqueza do desenvolvimento cognitivo na primeira infância, mas também a responsabilidade e a oportunidade de todos os envolvidos em nutrir esse potencial extraordinário.

 

Caso clínico

Perfil do paciente: Pedro, bebê de 10 meses de idade, filho único de pais primíparos.

 

Queixa principal

O pais de Pedro procuraram a clínica com uma preocupação específica: embora Pedro seja um bebê muito ativo, sorridente e sociável, eles notaram que ele não parece procurar por brinquedos quando estes são completamente escondidos. Comparando com outras crianças da mesma idade, os pais sentem que Pedro “não se lembra” onde o objeto foi parar.

Anamnese e desenvolvimento

Pedro nasceu a termo, sem intercorrências perinatais. Seu desenvolvimento motor tem sido considerado adequado para a idade, já rola, senta sem apoio e engatinha com destreza. Na comunicação pré-linguística, ele balbucia sílabas como “mamama” e “papapa”, e ocasionalmente demonstra atenção conjunta, seguindo o olhar dos pais quando estes apontam para objetos ou eventos interessantes no ambiente. Ele interage bem com os pais e cuidadores. No entanto, a principal preocupação persiste em relação à interação com objetos escondidos.

Observação clínica e avaliação

Durante a sessão de observação, o examinador apresentou a Pedro um chocalho de seu interesse. Em um primeiro momento, o chocalho foi parcialmente escondido sob uma fralda, deixando uma parte visível. Pedro prontamente removeu a fralda e pegou o chocalho. Em seguida, o examinador escondeu o chocalho completamente sob a fralda, à vista de Pedro. Nesse momento, Pedro desviou o olhar do local onde o chocalho foi escondido e buscou outro brinquedo próximo, sem fazer qualquer tentativa de remover a fralda para encontrar o chocalho. Os pais também relataram que tentaram um pequeno experimento em casa: esconderam o brinquedo de Pedro repetidamente sob um pano “A” (local 1), e Pedro o encontrava. Depois, à vista de Pedro, esconderam o mesmo brinquedo sob um pano “B” (local 2), mas Pedro ainda tentava procurar o brinquedo no local “A”, mesmo após vê-lo ser escondido no local “B”.

Discussão e impressão diagnóstica

As observações e os relatos dos pais de Pedro são consistentes com o desenvolvimento do conceito de permanência do objeto, conforme descrito por Piaget. A dificuldade de Pedro em procurar um objeto totalmente escondido e a ocorrência do erro A-não-B (procurar no local anterior mesmo vendo o objeto ser escondido em outro) sugerem que ele ainda não consolidou completamente a compreensão de que os objetos continuam a existir independentemente de sua percepção visual. De acordo com a teoria de Piaget, a aquisição plena da permanência do objeto, incluindo a superação do erro A-não-B, ocorre gradualmente, sendo tipicamente esperada entre 8 e 12 meses, com a superação do erro A-não-B a partir dos 12 meses. É importante notar que, embora metodologias mais recentes (como as de Baillargeon) sugiram uma compreensão rudimentar mais precoce em bebês, a manifestação comportamental de busca ativa e superação do erro A-não-B ainda se alinha com a janela de desenvolvimento que Piaget descreveu para a ação direcionada. O progresso de Pedro em outras áreas (motora e comunicativa pré-linguística) indica um desenvolvimento geral adequado.

 

Plano de intervenção

Orientação aos pais

Explicar aos pais que o desenvolvimento da permanência do objeto é um processo gradual e que a dificuldade de Pedro é uma etapa normal nesse processo. Reforçar que a variabilidade individual é comum.

Estímulo lúdico

Sugerir atividades e brincadeiras que estimulem a permanência do objeto, por exemplo:

  • Esconde-esconde simples: inicialmente, esconder um brinquedo de modo que uma parte permaneça visível, encorajando Pedro a puxá-lo.
  • Progressão no esconder: à medida que Pedro demonstra mais sucesso, esconder o brinquedo completamente, mas ainda em um local previsível e único.
  • Brincadeiras de causa e efeito: usar brinquedos que reajam a uma ação de Pedro (por exemplo, um botão que faz uma música tocar) para reforçar a compreensão de que suas ações têm consequências e que objetos continuam a existir para serem manipulados.

Acompanhamento

Agendar uma nova avaliação em dois meses, a fim de acompanhar a evolução de Pedro na aquisição da permanência do objeto e reforçar o desenvolvimento global.

Questões para revisão do conteúdo

1) Sobre a visão do recém-nascido, o texto afirma que:

  1. a) A acuidade visual é semelhante à do adulto, permitindo bom foco em longas distâncias.
  2. b) Eles percebem o mundo de forma nítida, com preferência por cores claras.
  3. c) A visão periférica é mais desenvolvida que a central, e há preferência por alto contraste e rostos humanos.
  4. d) A percepção de profundidade é inata e totalmente desenvolvida ao nascer.

 

2) Dos métodos a seguir, qual deles NÃO é explicitamente mencionado no texto como uma forma de estudar a cognição em bebês?

  1. a) Habituação/desabituação.
  2. b) Ressonância magnética funcional (fMRI).
  3. c) Rastreamento ocular (eye-tracking).
  4. d) Eletroencefalografia (EEG).

 

3) O Battelle Developmental Inventory – 3ª edição (BDI-3; Newborg, 2020) é um instrumento amplamente utilizado para avaliação do desenvolvimento infantil. Sobre suas características, assinale a alternativa CORRETA:

  1. a) O BDI-3 é aplicado coletivamente em crianças de 0 a 5 anos, com foco exclusivo em aspectos motores e linguísticos.
  2. b) O BDI-3 avalia o desenvolvimento infantil de forma padronizada, aplicado individualmente em crianças de 0 a 7 anos, abrangendo cinco domínios principais.
  3. c) O BDI-3 segue o modelo de estágios fixos de Piaget, não sendo flexível na análise dos diferentes contextos de desenvolvimento.
  4. d) Cada domínio avaliativo consta em um único manual central, sem subdivisão em livros ou possibilidade de administração independente.

 

4) A respeito do desenvolvimento da linguagem em bebês, o texto menciona que a capacidade de discriminar fonemas de outras línguas diminui e eles se tornam especialistas nos sons da língua que ouvem com mais frequência por volta de:

  1. a) 0 a 3 meses.
  2. b) 6 a 12 meses.
  3. c) 12 a 18 meses.
  4. d) 18 a 24 meses.

 

5) Qual tipo de memória é descrito como aprendizagem de habilidades motoras ou rotinas e presente desde cedo nos bebês?

  1. a) Memória de r
  2. b) Memória de evocação (recall).
  3. c) Memória implícita.
  4. d) Memória explícita.

 

6) A Teoria dos Sistemas Dinâmicos (TSD), proposta por Esther Thelen e Linda Smith, enfatiza o desenvolvimento como:

  1. a) Uma série de estágios fixos e hierárquicos, controlados geneticamente.
  2. b) Um processo linear e previsível em que cada habilidade surge independentemente.
  3. c) Um processo contínuo e emergente resultante da interação dinâmica entre múltiplos fatores.
  4. d) Principalmente moldado pela estimulação verbal dos cuidadores.

 

7) Qual dos seguintes instrumentos de avaliação de bebês é considerado possivelmente o mais amplamente utilizado e culturalmente validado, com fundamentos nos esquemas de Gesell?

  1. a) Escala Brunet-Lezine.
  2. b) Escala Griffiths de Desenvolvimento Mental.
  3. c) Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil.
  4. d) Escalas de Desenvolvimento Psicológico Infantil (IPDS).

 

8) De acordo com o texto, qual característica descreve a audição do bebê ao nascer?

  1. a) É rudimentar e só se desenvolve após os 6 meses.
  2. b) Fetos já podem discriminar sons e reconhecer a voz materna.
  3. c) Bebês não conseguem diferenciar vozes masculinas e femininas.
  4. d) A audição é completamente inativa até o nascimento.

 

9) O conceito de subitização para quantidades de até 3 ou 4 itens, presente em bebês, refere-se a qual aspecto cognitivo?

  1. a) Linguagem.
  2. b) Permanência do objeto.
  3. c) Noção de número.
  4. d) Memória implícita.

 

10) A atenção conjunta (joint attention) é descrita no texto como vital para o desenvolvimento da linguagem, e refere-se à capacidade de o bebê:

  1. a) Focar múltiplos objetos ao mesmo tempo.
  2. b) Compartilhar o foco de atenção em um objeto ou evento com outra pessoa.
  3. c) Ignorar distrações ambientais e focar apenas na fala.
  4. d) Manter um longo período de atenção em uma única tarefa.

Gabarito

 

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10)
C B C B C C C B C B

 

Justificativas

Questão 1) Resposta correta: C — A visão periférica é mais desenvolvida que a central e há preferência por alto contraste e rostos humanos.

Os bebês não têm boa acuidade visual ao nascer, mas conseguem perceber contrastes fortes (como preto e branco) e são naturalmente atraídos por rostos. A visão periférica realmente se desenvolve antes da central.

Questão 2) Resposta correta: B — Ressonância Magnética Funcional (fMRI).

Embora usada em adultos, a fMRI não é frequentemente mencionada como método de estudo em bebês nos manuais introdutórios. Os métodos clássicos em bebês são habituação, rastreamento ocular e EEG.

Questão 3) Resposta correta: C O BDI-3 avalia o desenvolvimento infantil de forma padronizada, aplicado individualmente em crianças de 0 a 7 anos, abrangendo cinco domínios principais.

O BDI-3 (Battelle Developmental Inventory – 3ª edição) é realmente uma bateria padronizada, aplicada individualmente, e voltada para crianças de 0 a 7 anos. Ele avalia o desenvolvimento em cinco domínios fundamentais: socioemocional, adaptativo, comunicação, motor e cognitivo. Além disso, como citado, cada domínio conta com um Livro de Teste separado, o que permite até a administração independente dos domínios.

Questão 4) Resposta correta: B — 6 a 12 meses.

Nesse período, os bebês passam da “percepção universal” de fonemas para uma especialização nos sons da língua materna, perdendo gradualmente a sensibilidade a fonemas não usados ao seu redor.

Questão 5) Resposta correta: C — Memória implícita.

A memória implícita envolve habilidades motoras e rotinas automáticas. Desde cedo, os bebês conseguem “aprender pelo corpo”: sugar, engatinhar ou coordenar movimentos, sem depender de evocação consciente.

Questão 6) Resposta correta: C — Um processo contínuo e emergente, resultante da interação dinâmica entre múltiplos fatores.

A TSD rompe com ideias lineares ou estágios fixos. O desenvolvimento é visto como flexível, não determinado apenas pela genética, mas emergindo das interações entre corpo, ambiente e experiência.

Questão 7) Resposta correta: C — Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil.

As Bayley são uma das escalas mais usadas, reconhecidas internacionalmente e com boa validação cultural. Elas descendem do modelo de Gesell, mas ampliam as áreas de avaliação.

Questão 8) Resposta correta: B — Fetos já podem discriminar sons e reconhecer a voz materna.

Estudos demonstram que, ainda no útero, o bebê já é capaz de ouvir e até preferir a voz materna. Isso explica o interesse precoce pela fala humana logo após o nascimento.

Questão 9) Resposta correta: C — Noção de número.

Subitização é a capacidade inata de perceber pequenas quantidades (até três ou quatro itens) sem precisar contar. Trata-se de uma base cognitiva para a noção de número e já está presente em bebês muito novos.

Questão 10) Resposta correta: B — Compartilhar o foco de atenção em um objeto ou evento com outra pessoa.

É a habilidade de o bebê olhar para um objeto e depois olhar para o cuidador (ou vice-versa), demonstrando que ambos estão focados no mesmo estímulo. Essa capacidade é fundamental para a aquisição da linguagem e interação social.

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