Trending News

Blog Post

Artigos

O mundo atual e a era das conectividades: a construção de identidade | Parte 1

Em uma cena em preto e branco dentro de um transporte público lotado, diversas pessoas se concentram em seus smartphones. Em primeiro plano, uma mulher de cabelos cacheados está em pé, apoiada em uma barra de segurança, enquanto lê algo em seu celular. Sobreposto à sua imagem, há um ícone de impressão digital que simboliza a ideia de “identidade” na era da conectividade. O clima sugere como a tecnologia, presente nas mãos de todos, influencia a forma como nos comunicamos e construímos nossas identidades no mundo atual.

por Francisco José de Oliveira Neto

O mundo atual tem apresentado grandes transformações envolvendo a utilização da Tecnologia da Informação e da Comunicação (TICs), com isso surge a necessidade de (re)pensar com cuidado o presente. Precisamos discutir sobre as novas questões que são levantadas na vida cotidiana e procurar possíveis soluções de apreensões, interpretações e entendimentos, conforme expressa Zuin (2010).

A atualidade se define como a era das conectividades, segundo Prensky (2021). Não podemos negar que estamos conectados e é por meio dessas permanentes conexões que sonhamos e organizamos o mundo no século XXI. Ensinamos e aprendemos, construímos nossa subjetividade. Cada um se associa a muitos outros, debate problemas, inventa soluções e cria coletivamente. Segundo Castells (1999),

[…] a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica […] o resultado final depende de um complexo padrão interativo […]. A tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas (CASTELLS, 1999, p. 25).

Talvez seja essa a marca mais expressiva do nosso presente, em que cada sujeito, conectado e em rede, opina, analisa, discute, critica, cria e publica conteúdo. Tais alterações acabam afetando as relações do sujeito com o mundo, acarretando assim o surgimento de novas subjetividades.

O conhecimento tecnológico influencia a formação da identidade social nas redes simbólicas do espaço público, seguidamente autonomizadas. Essa mesma comunicação fragmentada por meio das tecnologias enfraquece as relações interpessoais no mundo hiperconectado, que mergulha na (des)informação, cujas discordâncias são anuladas e deletadas facilmente e um argumento é substituído por outro, de forma irrefletida e inquestionada, gerando um subdesenvolvido sentido pedagógico.

A construção de identidade nas redes sociais, dada a fluidez das linguagens líquidas, potencializou a constituição de identidades múltiplas, sendo assim, torna-se um desafio o processo de percepção do Outro.

Segundo Gaulejac (2014):

O aparelho psíquico tem uma lógica interna de funcionamento que lhe é própria, diferente daquela que rege um aparelho de produção econômica ou um sistema familiar. São níveis da realidade que obedecem a leis particulares, autônomas entre si. Mas esta autonomia é relativa. A sociedade e a família canalizam os desejos, impõem proibições, propõem ideais coletivos, modelos de identificação, sistemas de valores e normas. Elementos que influenciam a psicologia consciente e inconsciente de seus membros. Inversamente, os indivíduos contribuem para produzir sistemas sociais e familiares que respondam às suas aspirações e estejam de acordo com sua personalidade. É, pois, a combinação destes diferentes registros e a análise de suas articulações que é verdadeiramente explicativa. (Gaulejac, 2014, p. 9)

Das mídias impressas às eletrônicas, das redes sociais aos blogs e microblogs, a sociedade jamais produziu nem recebeu tanta informação como nos dias atuais. No entanto, ao permitir que qualquer pessoa transmita instantaneamente conteúdos impactantes, a internet se torna condição fundamental para a criação de fatos que podem se descolar da realidade. O mundo virtual acaba por se tornar um lugar onde os ânimos, instigados por preferências partidárias ou inclinações ideológicas, proporcionam um mercado de exercício de controle ou de influência de pessoas, por meio de mentiras e boatos.

Assim, as redes sociais formam o local privilegiado de propagação de um dos principais produtos da era da pós-verdade, as chamadas, “fake news” ou falsas notícias, fenômeno este que tem gerado grande discussão dentro dos âmbitos dos meios de comunicação midiáticos, do meio jurídico, nas redes sociais e até mesmo dentro de instâncias políticas. Vale destacar que o consumidor das “fake news” é também, um coautor da propagação destas notícias mentirosas já que por achar que as informações atendem seus anseios, posições prévias, intenções políticas ou ideológicas, acreditam que tal conhecimento é verdadeiro e se satisfazem com isto.

 

A pós-verdade, o discurso e o desejo

Eleita pelo Dicionário de Oxford a palavra do ano de 2016, a pós-verdade preenche uma posição de evidência no debate público. Na definição britânica, “pós-verdade” é um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (PRIOLLI, 2017).

O termo foi empregado pela primeira vez em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano, Steve Tesich em um ensaio para a revista The Nation. Em 2004, o escritor norte-americano Ralph Keyes colocou-o no título de seu livro The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life. Mas quem mais contribuiu para a sua popularização mundial foi a revista The Economist, desde que publicou o artigo “Arte da mentira” (PRIOLLI, 2017).

A mentira não surgiu com a pós-verdade, é algo que se atrela a uma tradição cultural, assim como o uso do apelo emotivo. O que acontece contemporaneamente é que há uma perda na capacidade de averiguação do que é verdadeiro, uma crise epistemológica. Diferentemente dos tradicionais veículos de comunicação em massa, quais sejam, os jornais impressos, o rádio e a televisão, que funcionavam de maneira centralizada, unidirecional e verticalizada, a chamada “era da informação” é marcada por um modelo “todos para todos”, no qual qualquer pessoa pode produzir e compartilhar conteúdo com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

Isso gera o fenômeno da “sobrecarga de informação,” pois os dados não são mais filtrados pelos procedimentos tradicionais e a quantidade de informação que um indivíduo recebe supera sua capacidade de processá-la. Nesse contexto, vivemos sob o imperativo de estarmos sempre conectados e atualizados, vivendo uma espécie de ansiedade coletiva gerada pela incapacidade humana de possuir ciência de todo o material disponibilizado online (Santos, 2019). Assim, as informações são repassadas sem se preocupar com a veracidade do que foi dito. Logo, quem lê a informação acha que se trata de algo verdadeiro.

A desmotivação na busca do que é verdadeiro faz com que os sujeitos se portem como indivíduos que crêem independentemente da informação ser plausível. Ela é absorvida como um ato de fé. Quando se tem uma forte tendência, qualquer notícia que coaduna com as próprias convicções, deixam o sujeito mais confortável. Sendo assim, a internet virou um espaço de grupos, onde cada um seleciona o que quer ver e quem for estranho a estas escolhas é rejeitado. Assim, apesar de proporcionar a democratização da informação, a internet não faz o mesmo com a motivação da formação do sujeito em busca da verdade.

De acordo o estudo The spread of true and false news online, as notícias fictícias se espalham 70% mais rápido que as legítimas e atingem muito mais pessoas. Isso nos leva a pensar em “Fake News” como mercadoria que, mesmo desprovidas de sentido de verdade se acomoda na lógica capitalista pós­­-moderna de produção de discurso e de desejo. Segundo Marx, “a mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa” (MARX, 1867/2017, p.113).

Dimensão Brasil - Instituto, Clínica e Livraria PSI

Francisco José de Oliveira Neto

Mestrando em Psicologia, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO (2022); Especialista em Neurociência, Faculdade Campos Elísios (FCE), São Paulo, SP (2020); Psicomotricidade Aplicada à Educação, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2021); Psicopedagogia Institucional e Clínica, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2012) e Docência do Ensino Superior, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2010).

Graduando em Psicologia, Faculdade Ésper (ÉSPER), Goiânia, GO (2024); Graduado em Filosofia, Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UNIÍTALO), São Paulo, SP (2021); Graduado em Pedagogia, Faculdade INET, Salvador – BA (2015); Bacharel em Teologia, Escola Superior de Teologia (EST), São Leopoldo, RS (2009); Psicanalista, Associação Nacional de Psicanálise (ANPC), Brasília, DF (2016); Membro do corpo Freudiano, Goiânia, GO (2023).

Atualmente é Professor de Pós-graduação na Faculdade Fractal – Graduação e Pós-Graduação (FRACTAL) em Goiânia, GO. Consultor de TD no Grupo Odilon Santos, Goiânia, GO. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação, História da Educação, Teorias do Desenvolvimento da Aprendizagem, Metodologia Científica, Filosofia e Psicanálise. Atende como Psicanalista no Espaço Ser Corpo, tendo experiência com jovens e adultos. Assessor Educacional do Centro de Ensino Superior Galáxia, Goianésia, GO.

Referências

Todoscott, H., Gentzkow, M. (2019). Social Media and Fake News in the 2016 Election. I Journal of Economic Perspectives (v. 31, n. 2, p. 211–236, 20).

Barclay, D. A. (2018). Fake News, Propaganda, and Plain Old Lies: How to Find Trustworthy Information in the Digital Age. Rowman & Littlefield.

Bardin, L. (1997). Análise de Conteúdo. Edições 70.

Baudrillard, J. (2005). A sociedade de consumo. Edições 70.

Bauman, Zygmunt. (2007). Vida Líquida. Jorge Zahar.

Bauman, Zygmunt. (1999). Modernidade e ambivalência. Jorge Zahar.

Castells, M. (1999). A sociedade em rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1, 6ª ed.). Paz e Terra.

Castells, M. (2006). Inovação, liberdade e poder na era da informação. In: Moraes, D. de (Org.). (2006). Sociedade Midiatizada. Manuad.

Castel, R. (1987). Metamorfoses da questão social: Uma crônica do salário. Vozes.

Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Contraponto.

Eagleton, T. (1996). As Ilusões do Pós-modernismo. Jorge Zahar.

ENGLISH OXFORD (2016) living dictionaries. Word of the Year.

Enriquez, E. (2006). O homem do século XXI: sujeito autônomo ou descartável. RAE-eletrônica, (v. 5, n. 1, Art. 10, jan./jun).

Gaulejac, V. (2014). Neurose de classe. (M. B. Medina, Trad.). Via Lettera.

Habermas, J. (2000). O discurso filosófico da modernidade: doze lições (Trad. Luiz Sérgio Repa, Rodnei Nascimento). Martins Fontes.

Lacan, J. (2008). O Seminário, livro 16. De um ao outro (1969-70). Jorge Zahar.

Loveluck, B. (2018). Redes, liberdades e controle: uma genealogia política da internet. Vozes.

Lyotard, J. (2004). A condição pós-moderna (8ª ed.). José Olímpio.

Marx, K. (1867/1988) O capital: crítica da economia política (v 1-5). Nova Cultural.

Marx, K. 1867/2017). O capital: crítica da economia política – livro I: o processo de produção do capital (2ª ed., p. 113). Boitempo.

Pêcheux, M. (2002). O Discurso: estrutura ou acontecimento. 3ªed. Campinas; Pontes.

Priolli, G. (2017). A era da pós-verdade. Carta Capital. <https://www.cartacapital.com.br/revista/933/a-era-da-pos-verdade

Santos, A. (2019). O Impacto do big data e dos algoritmos nas campanhas eleitorais. ITS Rio – Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.  https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/03/Andreia-Santos-V-revisado.pdf

Zuin, A. A. S. (2010). O plano nacional de educação e as tecnologias da informação e comunicação (31 (112), pp. 961-980). Educação Social.

Anterior

O mundo atual e a era das conectividades: a construção de identidade | Parte 1

Posts relacionados