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O mundo atual e a era das conectividades: a construção de identidade | Parte 2

Em frente a uma parede de concreto, seis jovens de origens diversas estão lado a lado, todos atentos aos smartphones. Sobre eles, pairam ícones em tons de rosa e roxo — como símbolos de compartilhamento, Wi-Fi e nuvem — que ilustram a era da conectividade e a construção de identidade digital. A atmosfera reforça o senso de pertencimento e interação contínua, evidenciando como cada pessoa, mesmo imersa em seu próprio mundo virtual, participa de um universo coletivo marcado pela troca constante de informações.

por Francisco José de Oliveira Neto

De fato, o denominado “boom da internet” dos anos 90, que trouxe o desenvolvimento da rede mundial de computadores e os novos navegadores, ocorreu no bojo da chamada cultura pós-moderna que se implanta a partir dos anos 1980. Ressalta-se que uma das principais características da cultura pós-moderna é exatamente o abandono dos critérios de verdade e de objetividade científicas.

Não existe uma realidade independente da linguagem; o que percebemos como realidade depende de como a expressamos e interpretamos. Os discursos ou enunciados são centrais no pós-modernismo – eles não apenas descrevem o mundo, mas criam significados e organizam a forma como o entendemos.

São também características da pós-modernidade a valorização da individualidade e a disponibilidade de recursos e produtos que promovem prazer e felicidade imediatos. Além disso, com a descrença na emancipação moderna e com a crise da sociedade a partir dos movimentos das novas lutas políticas, somado com as transformações tecnológicas, o capitalismo foi reformulado, inaugurando, assim, a pós-modernidade.

O discurso da pós-modernidade ganha forma com o filósofo francês Jean-François Lyotard (2004) que descreve a filosofia a partir do iluminismo. Este autor apresenta os metarrelatos, que são narrativas, discursos, quase mitos, explicações do mundo, da história, da vida e do futuro, que representam uma verdade absoluta e que surgem para a legitimação das ciências, das artes e das normas.

O autor define ainda que a pós-modernidade apresenta uma descrença em relação a esses metarrelatos, uma vez que não concebe uma verdade absoluta, mas a verdade parcial. O indivíduo não é produtor de verdades absolutas, mas de possibilidades e de hipóteses (Lyotard, 2004).

Nesse momento, Lyotard (2004) define o saber científico como um discurso baseado em códigos, normas e regras próprias – como um jogo de linguagem que parte da civilidade humana e assegura as relações sociais. Os conhecimentos tecnológicos incidem sobre este saber científico na função de pesquisa e de transmissão, “o saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. Ele deixa de ser para si mesmo seu próprio fim, perde o seu valor de uso” (Lyotard, 2004, p. 4).

O saber passa agora a fazer parte da produção capitalista onde é comercializado, perdendo com isso o seu devido valor, como as informações que podem ser vendidas ou trocadas. Este cenário configura uma crise em relação à legitimação do saber. A crise das metanarrativas perde o sentido com o domínio da informática e o encontro com o discurso da ciência. O modernismo mudou porque as condições técnicas e sociais de comunicação se transformaram. A Tecnologia pode ser considerada o principal fator para a falência desses metarrelatos.

Em concordância com Lyotard, Eagleton (1996) afirma que a pós-modernidade é uma linha de pensamento que busca explicações em relação aos conceitos de verdade, razão, identidade, objetividade e a ideia de progresso ou emancipação universal, como sistemas únicos. De acordo com os autores, nesse momento, há uma descrença nas verdades absolutas e nos saberes que fundamentavam o mundo, produzindo com isso um novo conceito de verdade, novas explicações, novos valores, consequentemente diferentes modos de agir dos sujeitos e de se constituir, quer dizer de pensar, de relacionar e de sentir.

Portanto, devido a essas mudanças a pós-modernidade consiste em uma vida com incerteza contínua. Como afirma Bauman, “a vida numa sociedade pós-moderna não pode ficar parada. Deve modernizar-se ou perecer” (Bauman, 2007, p. 9). Ao contrário da modernidade, que vivia para eternidade com objetivos e referências claras, a pós-modernidade não estabelece objetivos, nem traça uma linha linear, não se tem referências.

Há sempre mudanças sem destino, sem ponto de chegada e com permanente pressa nesse processo. Existe na pós-modernidade uma crise em relação à ideia de fundamento sólido, agora tudo se mistura, tudo se completa, não existe a criação a partir do nada, tudo se constrói através da influência que se dá e pela mistura que é feita (Bauman, 2007).

Deste modo, as referências e os valores sociais não são mais um modelo a ser seguido nesta nova era, mas estão livres para mudarem para qualquer padrão que o indivíduo crie para a sua vida. Os valores sociais tornam-se inconsistentes, efêmeros e individualistas. Há um predomínio do individualismo e narcisismo exacerbado, num imaginário de que o outro não se faz necessário.

Apesar disso, os sujeitos acreditam estarem em um processo de emancipação. O insucesso das instituições é atribuído aos próprios indivíduos, que devem buscar aprimoramentos contínuos, vivendo estressados, recorrendo ao uso de medicamentos para suportarem as pressões sociais. As organizações exigem excelência e dedicação intensa às metas propostas e, quando não atendem as exigências são excluídos.

Nessa época, em que as mudanças são inevitáveis, é necessário que se busque uma compreensão do mundo, apesar da falta de parâmetros e de limites das pessoas. Torna-se importante compreender os possíveis danos causados aos indivíduos devido aos novos modos de ser, de se relacionar e de sentir na sociedade.

Desta forma, a tecnologia da internet proporcionou uma nova dinâmica na produção e circulação do discurso capitalista. De maneira econômica e relativamente fácil, qualquer indivíduo pode produzir conteúdos e divulgá-los massivamente sem a necessidade de demonstrar legitimidade e fora da regulação social. Esta facilidade de acesso contempla a lógica capitalista que vende ao sujeito a ideologia que a sustenta: a percepção distorcida de que ele é livre e possui direitos iguais na democracia e, a ilusão de que seu gozo é infinito e não regulado pela pauta da verdade. Ao adentrar nessa lógica, o sujeito afirma mais uma vez sua posição subjetiva de proletário e reforça a interpretação homóloga da mais valia com o mais-de-gozar proposto por Lacan.

A mais valia representa a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho. Dessa maneira, ela pode ser entendida como o trabalho não pago, ou seja, são horas que o trabalhador cumpre/valor que ele gera pelos quais ele não é remunerado. (Marx, O Capital, Livro 1, Vol. 2, p. 586).

Seminário 16, Lacan associa de forma fundamental seu conceito de mais-de-gozar à mais-valia de Marx. Nesse ponto de seu ensino, o objeto a se constitui da apropriação da mais-valia, em sua lógica, pela psicanálise lacaniana. Na mais-valia, Lacan pespega no avesso a ideia de mais-de-gozar, de modo a fazê-los homólogos, não análogos, porque o objeto a e a mais-valia obedecem à mesma lógica. “Trata-se, com efeito, da mesma coisa” (Lacan, 1968-1969/2008, p. 44).

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Francisco José de Oliveira Neto

Mestrando em Psicologia, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO (2022); Especialista em Neurociência, Faculdade Campos Elísios (FCE), São Paulo, SP (2020); Psicomotricidade Aplicada à Educação, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2021); Psicopedagogia Institucional e Clínica, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2012) e Docência do Ensino Superior, Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (FABEC), Goiânia, GO (2010).

Graduando em Psicologia, Faculdade Ésper (ÉSPER), Goiânia, GO (2024); Graduado em Filosofia, Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UNIÍTALO), São Paulo, SP (2021); Graduado em Pedagogia, Faculdade INET, Salvador – BA (2015); Bacharel em Teologia, Escola Superior de Teologia (EST), São Leopoldo, RS (2009); Psicanalista, Associação Nacional de Psicanálise (ANPC), Brasília, DF (2016); Membro do corpo Freudiano, Goiânia, GO (2023).

Atualmente é Professor de Pós-graduação na Faculdade Fractal – Graduação e Pós-Graduação (FRACTAL) em Goiânia, GO. Consultor de TD no Grupo Odilon Santos, Goiânia, GO. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação, História da Educação, Teorias do Desenvolvimento da Aprendizagem, Metodologia Científica, Filosofia e Psicanálise. Atende como Psicanalista no Espaço Ser Corpo, tendo experiência com jovens e adultos. Assessor Educacional do Centro de Ensino Superior Galáxia, Goianésia, GO.

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