por Marlene Alves da Silva
Burnout é um fenômeno psicossocial associado ao estresse crônico laboral situado no tempo e no espaço; portanto, é fundamental que se possa compreender o contexto que está inserido e quais fatores atuam como risco ou na proteção a sua emergência na vida social.
O livro “Burnout hoje: o que sabemos e como podemos lidar com ele?” possui uma seção de epígrafe e agradecimentos, um prefácio, uma apresentação, sete capítulos e apresentação dos autores, totalizando 167 páginas baseadas em pesquisa, porém de leitura leve. Quinze autores se dedicam a essa obra, organizada por Ana Claudia Souza Vasquez, Clarissa Pinto Pizarro de Freitas e Cláudio Simon Hutz.
No primeiro capítulo, Hans De Witte e Wilmar B. Schaufeli escrevem sobre Burnout: o que é? O que não é? Em busca de prevalência, causas, consequências e soluções. Inicialmente, o burnout foi considerado uma síndrome relacionada ao trabalho, que ocorre em ocupações em que se trabalha com e para pessoas, e na qual três sintomas precisam estar presentes: exaustão emocional, despersonalização e competência profissional reduzida. Na definição atualizada, considerada uma condição relacionada ao trabalho presente nos trabalhadores que são produtivos e que atuaram durante um período prolongado, nos quais quatro principais sintomas estão presentes: exaustão, prejuízos cognitivos e emocionais e distanciamento mental.
Os autores apresentam os sintomas principais e secundários, apontam a distinção do burnout com os fenômenos de estresse no trabalho e depressão. Ainda, apontam o que causa o burnout, um modelo abrangente que envolve a integração de trabalho, pessoa e família, assim como as consequências do burnout e a busca de soluções. Encerram o capítulo com considerações finais e referem a um instrumento de medida que mensura os sintomas do burnout e pode ser utilizado para fazer um diagnóstico acurado ao ser aplicado em conjunto com informações adicionais necessárias.
Estudos sobre burnout no Brasil: avanços recentes à luz da psicologia positiva é o tema do segundo capítulo. Os autores Ana Cláudia Souza Vasquez, Clarissa Pinto Pizarro de Freitas e Cláudio Simon Hutz discorrem sobre os estudos recentes realizados no Brasil com o apoio do consórcio internacional com pesquisadores de 40 países.
Os autores discutem o fenômeno burnout à luz da psicologia positiva, a teoria Job Demands–Resources (JDR) e burnout: o que se sabe à luz das evidências. Nessa teoria, o burnout é visto como um fenômeno acoplado ao contexto estrutural, e não apenas como sinais e sintomas que acometem individualmente as pessoas em sua dinâmica laboral.
O modelo teórico JDR propõe que é preciso que o trabalho seja avaliado como um sistema complexo, estruturado por meio de dois processos paralelos. Além da gestão de riscos, abordam os fatores de proteção psicossocial apontando o engajamento no trabalho como principal indicador de saúde laboral. A seguir, são apresentadas as evidências de validação do instrumento elaborado no modelo JDR, Burnout Assessment Toll (BAT) que foi testado em vários países e no Brasil. Finalmente, apresentam dados preliminares dos estudos e suas principais contribuições no Brasil.
No terceiro capítulo, Andrea Marilin Vinueza-Solórzano, Antonio Ramón Gómez-García e Cecília Alexandra Portalanza-Chavarria discorrem sobre estudos de Burnout em países da América Latina. No campo internacional voltado para as políticas de saúde, encontra-se a Organização Mundial de Saúde – OMS, que promove iniciativas com o objetivo de prevenção e redução dos fatores de riscos causadores de doenças mentais.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, em um relatório publicado em 2018, a depressão e ansiedade são as mais comuns desordens no Paraguai, Brasil, Equador, Peru e Colômbia. Achados científicos têm apontado que no contexto laboral, a depender de sua organização e de seus processos de trabalho, podem contribuir para o desenvolvimento de processos estressores que produzirão doenças mentais.
A psicologia positiva surge como uma nova proposta científica para prevenir patologias, investigar emoções complexas, aspectos virtuosos e forças pessoais que afetam a construção de recursos e melhorias na qualidade de vida das pessoas. Os autores perpassam pela síndrome de burnout, engajamento no trabalho e esperança disposicional.
Os autores contextualizam estudos sobre burnout na América Latina, validação de instrumentos de medição psicométricas na América Latina e os estudos sobre burnout no Equador. Apresentam a adaptação e validação da escala de Burnout no Equador, contexto militar (BAT-EQ 23) no contexto militar, por meio de estudo transversal nacional realizado no período de 2021 a 2022, com 5.482 protocolos válidos.
Os papéis do redesenho do trabalho e da segurança psicológica na prevenção da síndrome de burnout é escrito pelos autores Etri Bandeira Junior e Clarissa Pinto Pizarro de Freitas no quarto capítulo. A saúde mental dos trabalhadores tem se tornado cada vez mais foco das empresas e organizações. Entre os principais fatores que afetam diretamente a satisfação dos trabalhadores, destacam-se a capacidade de se comunicar e de criar relações no ambiente de trabalho.
Nesse sentido, é importante que as empresas busquem compreender características específicas das diferentes gerações que compõem as equipes de trabalho, de modo a estabelecer políticas e uma cultura organizacional adaptada a todos.
Os autores apresentam conceitos básicos da síndrome de burnout e o redesenho do trabalho. Faz um relato da teoria tradicional ao redesenho do trabalho, que pode ser classificado em três principais estratégias, a saber: ações de redesenho da tarefa; ações de reformulação cognitiva; e ações de redesenho das relações.
A seguir, escrevem sobre a segurança psicológica do ponto de vista organizacional, a qual consiste no conjunto de práticas e procedimentos que guiam e suportam interações abertas no ambiente de trabalho. E finalizam o texto com a conclusão sobre o entendimento das características das gerações, ressaltando a geração Z, que valoriza questões relacionadas à flexibilidade e à comunicação.
No quinto capítulo intitulado Adição ao trabalho e síndrome de burnout: revisão integrativa, Douglas Bertoloto Lima, Andrea Marilin Vinueza-Solórzano, Clarissa Pinto Pizarro de Freitas e Jaqueline de Carvalho Rodrigues apontam que desde o surgimento do conceito da síndrome de burnout, já foram realizados aproximadamente 80.000 estudos em todos os continentes sobre essa temática.
A adição ao trabalho é compreendida como um fenômeno psicossocial com consequências negativas à saúde do trabalhador. O objetivo dos autores foi a discussão da relação existente entre o processo de adição ao trabalho e a síndrome de burnout entre os profissionais de saúde.
Com a pergunta qual é a relação existente entre o workaholism e a síndrome de burnout entre os profissionais da saúde?, os autores buscaram dados na literatura, no período de 2014 a 2022, e encontraram 37 artigos, e após a estratégia para seleção e a leitura, incluíram 14 estudos. Nos resultados e discussão descreveram três caracterizações dos estudos, sendo: o workaholism como antecedente da síndrome de burnout, os prejuízos psicofísicos decorrentes do workaholism e da síndrome de burnout, as estratégias de prevenção de adoecimento como terapias que foquem metodologias comportamentais e até mindfulness.
Diferenças diagnósticas entre síndrome de burnout, transtornos depressivos e transtornos de ansiedade é o tópico do sexto capítulo, dos autores Malu Joyce de Amorim Macedo, Dayane Santos Martins, Mariane Begatin Bermudez e Carolina Blaya Dreher. Apesar de a síndrome de burnout – SB ter sido considerada doença desde janeiro de 2022, na atualização da CID-11, a descrição dessa condição já existe desde a década de 1970.
Nesse contexto, a personalidade desempenha um papel crucial na maneira como as pessoas reagem ao ambiente. Entre os fatores de riscos para burnout, personalidade com alto nível de neuroticismo é uma característica importante e é considerada um preditor comum para o burnout.
Os autores, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, apresentam um quadro de sintomas comumente encontrados no transtorno depressivo maior e na síndrome de burnout. No que se refere ao comparativo entre burnout e transtornos ansiosos, apresentam uma figura esquematizando o ciclo natural da ansiedade e a ansiedade patológica, e um quadro com as principais características dos transtornos de ansiedade, considerando as características, as cognições relacionadas e o tempo mínimo de sintomas. O escrito é encerrado com as considerações finais, ressaltando a importância da realização de um diagnóstico diferencial.
Ana Cláudia Souza Vasquez, Cláudio Simon Hutz e Clarissa Pinto Pizarro de Freitas finalizam a obra descrevendo, no sétimo capítulo, sobre Burnout e engajamento no modelo JDR: normas brasileiras para BAT e UWES. Os autores se dedicam à apresentação das normas brasileiras para a Burnout Assessment Tool – BAT-Brasil e Utrecht Work Engagement Scala – UWES- Brasil.
O burnout e o engajamento no trabalho têm sido investigados com intensidade na comunidade acadêmica, pois ambos são indicadores importantes de desfechos negativos e positivos na saúde dos trabalhadores. No trabalho, a recarga de energia e o bem-estar laboral são decorrentes do ambiente organizacional e de sua dinâmica. Nessa perspectiva, burnout é considerado como erosão da energia vital identificada como uma reação extrema ao estresse.
Os autores apresentam a Escala BAT-Brasil, que contém 23 itens que avaliam as seguintes dimensões: exaustão, distanciamento mental, declínio no controle cognitivo e o declínio no controle emocional para os sintomas primários, e as queixas psicológicas e psicossomáticas para os sintomas secundários.
Após, o levantamento e interpretação da BAT-BR 23 e BAT-BR 12, da BAT-S e UWES-BR 9 e as normas brasileiras para a BAT-BR 23 e a BAT-BR 12 itens. Também consta uma tabela com as normas brasileiras da UWES-BR 9, por faixa etária. Os autores encerram afirmando a importância do leitor refletir sobre novas contribuições e lacunas que precisam ser investigadas.
A leitura do livro é capaz de proporcionar momentos de aprendizagem e estimular a pesquisa sobre burnout e engajamento. Assim, a obra cumpre sua missão de provocar o desenvolvimento e estimular o debate entre seus leitores. É um produto destinado a todos que se interessam pelo assunto.
Marlene Alves da Silva
Psicóloga clínica, Pós-doutora em psicologia clínica pela USP, Mestre e doutora em Psicologia com ênfase em avaliação psicológica pela USF. Especialista em Saúde Mental pela UFRJ, especialista em Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito pelo CFP; Diretora da Clínica Fênix e da Orient – Produtos e Soluções em Saúde Mental. Professora convidada em cursos de graduação e pós-graduação lato sensu; pesquisadora da área de avaliação psicológica, clínica e trânsito.
Referência
Vasquez, A. C. S., Freitas, C. P. P., Hutz, C. S. (2024). Burnout hoje: o que sabemos e como podemos lidar com ele? (1ª ed.). Vetor Editora.
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