por Eliete Ferreira Vilas Bôas, psicóloga clínica, especialista em Psicologia do Trânsito.
As transformações do contexto e da sociedade exigem uma contínua reflexão da práxis profissional, e, em tempos pandêmicos e de aceleração das tecnologias das informações, a promoção da saúde, o bem-estar e a atividade clínica passam a ser um desafio que deve ser alcançado com ética, conhecimento científico e atualizações das abordagens psicológicas.
Com esse pensamento, um grupo de 67 pesquisadores de um grupo de estudos sobre relações interpessoais e violência nos contextos clínicos, sociais, educativos e virtuais vinculados à linha de pesquisa em psicologia clínica: teoria, técnicas e intervenções, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), elaborou a obra ora comentada.
Os autores dividiram o livro em três partes, desmembradas em 19 capítulos. Na primeira parte, são abordados os avanços teóricos que fundamentam a atividade clínica em sete capítulos. A segunda parte relata o uso das tecnologias refletida nas práxis em atendimentos e em avaliações psicológicas dividido em três capítulos.
E a terceira parte trata do lidar com as demandas de atenção psicológica da atualidade, inclusive associadas à pandemia da Covid-19, que forçou as mudanças em diversas áreas, principalmente, na área da psicologia, difundidas em nove capítulos.
Na parte dos avanços das abordagens teóricas, o primeiro capítulo dedica-se à Breve introdução das perspectivas teóricas que fundamentam as práticas em psicologia clínica, escrito por quatro psicólogos.
Nesse, os autores Broilo, Nonnenmacher, Lisboa e Neufeld fazem o percurso desde o início da prática clínica iniciada pelo atendimento de doentes acamados e destacam a psicanálise com base nesse modelo, e a partir daí avançam para outras perspectivas psicológicas, tais como: behaviorista ou comportamental, humanista ou humanista-existencial, cognitiva ou cognitivo-comportamental, perspectiva sistêmica e até as diversas práticas contemporâneas, como a psicologia positiva, que tem como foco a saúde e o bem-estar que têm acompanhando as transformações locais e globais que ocorrem na sociedade.
Após esse resumo das principais concepções teóricas que apoiam a prática clínica, os capítulos seguintes tecem mais detalhadamente alguns enfoques. Técnica psicanalítica: histórico e contemporaneidade, descrito por Verzoni, Host, Salvador e Friedrich, aborda desde o legado científico de Freud até as propostas contemporâneas da neurociência e da intersubjetividade e técnica psicanalítica.
No terceiro capítulo, de Cibils Filho, Nascimento, Nonnenmacher e Halperin, intitulado Terapia focada na compaixão: integrando a psicologia evolucionista à prática clínica, é apresentado o construto compaixão e suas inúmeras associações com fatores ligados à saúde mental e ao bem-estar, como proposta de um fator protetivo diante das psicopatologias.
A Terapia focada na compaixão (CFT) é uma abordagem contextual, com base na Psicologia Evolutiva e concebida em um paradigma biopsicossocial que contribui para a construção de relações internas e externas mais saudáveis e aflitivas. Os autores encerram essa explanação com um caso clínico.
Nascimento, Tatton e Duarte assinam o quarto capítulo: Mindfulness: atenção plena em atendimentos psicológicos como prática transteórica. O termo mindfulness (consciência plena ou atenção plena) foi introduzido na psicologia por Jon Kabat-Zinn, em 1979, no programa de redução de estresse, e funciona como um guarda-chuva, abarcando diversos princípios com o propósito de ofertar uma perspectiva secular e científica sobre práticas advindas do budismo. Após a explanação do tema, os autores encerram o capítulo com um exemplo técnico e um caso clínico.
Inovações em terapia do esquema: técnicas lúdicas e criativas para pacientes adultos é o tema do quinto capítulo. Neste, Mallmann, Mothes, Cibils Filho, Coimbra e Pozzobon expõem a Terapia do Esquema (TE), abordagem psicoterápica integrativa inserida no campo das terapias cognitivo-comportamentais (TCC), concebida para o tratamento de condições crônicas e pervasivas.
Na TE, foram acrescentadas diferentes correntes teóricas, como teoria do apego, gestalt, relações objetais, construtivismo e psicanálise. Os autores apresentam o modelo, os modos esquemáticos, a aplicação prática de técnicas com o propósito, material necessário, racional e aplicação, tecendo que a criatividade vai de encontro com as necessidades emocionais de cada paciente, apresentado a descrição dos esquemas iniciais desadaptativos e o modo esquemático.
Kristensen, Schneider e Kristensen assinam o sexto capítulo: A relação terapêutica como preditora de resultados da psicoterapia. Essa é a forma como se estabelece e se expressa a mutualidade dos sentimentos e atitudes no duo terapeuta-paciente.
Os autores apontam as muitas conceituações e caracterizações sobre como se constitui uma relação terapêutica, desde o modelo tripartido (aliança terapêutica, transferência e relação real), perpassando pela relação terapêutica na psicoterapias cognitivo-comportamentais até o manejo dos problemas na relação terapêutica.
Concluem com o trecho de uma entrevista clínica. Para encerrar a primeira parte da obra, os autores Holst, Horta, Salvador e Lisboa assinam o sétimo capítulo, intitulado Psicoterapia baseada em evidências: de que forma o psicólogo clínico pode se beneficiar? As produções de pesquisas científicas sobre a prática clínica apontam que as evidências científicas asseguram a boa prática na intervenção em saúde, tanto no âmbito individual como em saúde pública.
A segunda parte é dedicada ao uso de tecnologias na clínica e é composta de três capítulos. Inicia com o Empreendedorismo na prática da psicologia clínica. Fortes, Pereira e Petersen apontam para os desafios e oportunidades na gestão da clínica: insegurança para atender, captação de pacientes, espaço de trabalho, documentação e impostos e a gestão financeira da clínica.
Os autores debruçam-se sobre esses temas e oferecem possíveis formas de lidar com cada uma dessas dificuldades, mas que também são oportunidades no cenário contemporâneo. Com a pandemia de Covid-19 ocorreu o crescimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICS), assim, Broilo, Fortes e Koch escrevem sobre O uso de tecnologias no dia a dia refletido nos atendimentos psicológicos, tema do nono capítulo.
Os autores assinalam as possíveis implicações das TICS no comportamento como parte integrante do dia a dia, o uso patológico (dependência de jogos eletrônicos, as redes sociais, a pornografia on-line e a dependência de smartphones) versus o uso saudável habitual (proposição no âmbito da família, da escola, do trabalho e, principalmente, nos atendimentos psicológicos). A responsabilidade do profissional de psicologia é contribuir para propiciar o uso saudável das TICS.
Para encerrar essa parte, as autoras Irigaray, Gonzatti, Oliveira, Yates & Broilo relatam sobre Tecnologias da informação e comunicação na avaliação psicológica. Escrevem sobre as legislações do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a prática da avaliação com o uso de TICS, assim como os limites e desafios, vantagens e desvantagens desta prática que foi alavancada no período pandêmico com o uso dos testes psicológicos informatizados e a avaliação psicológica on-line.
As autoras abordam os aspectos positivos e negativos, bem como os requisitos necessários para a utilização de TICS na avaliação psicológica, dividindo em quatro grupos.
A terceira parte é dedicada aos fenômenos do século XXI, iniciando com a Intervenção psicoeducativa diante das implicações psicológicas da pandemia da Covid-19. Os autores Sanseverino, Cardoso, Pizón e mais sete pesquisadores escrevem sobre os cuidados com a saúde de forma integral, apontando os comportamentos saudáveis, a infância e a parentalidade, home office e o planejamento financeiro que afetou, de uma forma ou de outra, todas as pessoas.
Em seguida, abordam-se o enfrentamento do estresse e de perdas circunstanciais, os trabalhadores de saúde e as diferentes perdas e o processo de luto, com um olhar para os grupos mais vulneráveis.
Em Intervenções clínicas em casos de bullying e cyberbullying na adolescência, tema do capítulo 12, Souza, Lindern, Mallmann, Lioo e Lisboa definem bullying e cyberbullying como fenômenos com alta prevalência na adolescência e de maneira interligada. Discorrem sobre a intervenção no contexto escolar e clínico.
Autocompaixão e autocriticismo no cenário contemporâneio é o tema do capítulo 13, de Pureza, Pfeiffer, Nascimento e Souza. A compaixão abrange a motivação para se envolver no sofrimento gerado pelas situações difíceis e o esforço para encontrar formas de aliviá-lo e preveni-lo.
Após definirem os termos, os autores descrevem os mitos sobre a autocompaixão, as experiências precoces no desenvolvimento da autocompaixão, o que ocorre nas psicopatologias e como desenvolver a autocompaixão.
Encerram o capítulo com os horizontes e as fronteiras para a prática clínica (auto)compassiva. Segundo Buda, a família é o lugar onde as mentes entram em contato entre si, assim, o capítulo 14 discorre sobreAs novas configurações familiares: possibilidades e desafios.
Quatro pesquisadores, Mazzali, Pozzobon, Nogueira e Reis, iniciam o capítulo sobre o casamento e as novas formas de se relacionar e das inúmeras mudanças de papéis dos homens e mulheres na atualidade. Após, perpassam pelas famílias monoparentais e homoparentais, os ciclos vitais e o funcionamento familiar, a conexão e distância, as lealdades, rituais e legados nas novas configurações, e encerram o capítulo com as visões da normalidade.
Atravessamentos do preconceito na prática clínica é o tema abordado por Lindern, Verzoni, Marques e Lima, que assinam o capítulo 15. As ações decorrentes do contato, os estereótipos e a discriminação são os componentes do preconceito, portanto, assumir uma condição empática em relação ao preconceito pode diminuí-lo e ter efeito benéfico sobre as relações.
Os autores fazem uma reflexão sobre o preconceito e aspectos éticos na prática profissional e na psicologia clínica, e apresentam estratégias para a redução do preconceito com foco no indivíduo e nas relações intergrupos.
Coimbra, Duarte, Silva e Broilo dedicam-se a Autolesão e ideação suicida na adolescência: intervenções clínicas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, o suicídio estava entre as principais causas de morte no mundo, sendo a terceira principal causa de mortes entre jovens de 15 a 19 anos. Como identificar?
Quais os procedimentos e as possíveis intervenções quando é identificado o risco de comportamento de autolesão? Os autores encerram o capítulo com a ilustração de um caso de tentativa de suicídio e dos aspectos importantes a serem considerados.
No capítulo 17, Silva, Fulginiti, Pozza, Telles e Araújo discorrem sobre A prática clínica para o transtorno por uso de substâncias. As abordagens clínicas como a entrevista motivacional (EM), prevenção de recaída (PR), terapia cognitivo-comportamental (TCC), Dual Focus Schema Therapy (DFST) e a terapia comportamental dialética (DBT) foram as que apresentaram evidências de resultados eficazes em estudos.
Desde a identificação do problema até a escolha da intervenção faz-se necessário consultar a literatura científica e a sua eficácia para cada perfil de usuário. Em TCC e protagonismo social: intervenções socialmente engajadas, Neifeld, Rezende, Nhani e mais quatro estudiosos discutem sobre a clínica ampliada e a intersetorialidade, assim como o protagonismo social.
Mostram alguns exemplos de intervenções em Portugal pautados na promoção de saúde de jovens, e exemplos no Brasil que podem ser ofertados por diferentes cuidadores. Apresentam a psicologia para crianças e o conteúdo de cada sessão, assim como o manejo das emoções no pré e pós-teste, concluindo com o protagonismo na clínica privada e individual.
A obra encerra com os Reflexos da pandemia da Covid-19 na clínica psicológica. Weide, Rocha, Cunha e mais quatro pesquisadores destacam que a teleterapia foi o que mudou na prática clínica diante da vivência da pandemia. O teleatendimento mostrou-se como uma ferramenta útil para a intervenção psicoterápica diante do isolamento das pessoas.
As crises de ansiedade e pânico tornaram-se recorrentes, assim como o risco de suicídio. Atentar para os aspectos teóricos e práticos, assim como o manejo clínico são importantes como um norteador do processo psicoterápico.
A obra tem uma linguagem fácil e didática, apresenta ao final de cada capítulo um quadro resumo que auxilia o leitor, além de oferecer checklist do que é necessário para atuar com o teleatendimento e casos clínicos. O livro cumpre seu objetivo de auxiliar os profissionais nas práticas contemporâneas na clínica.
Autora
Eliete Ferreira Vilas Bôas é psicóloga clínica, especialista em Psicologia do Trânsito, diretora científica da Orient Consultoria – Soluções em Psicologia e pesquisadora na área de avaliação psicológica.
Psicologia Clínica: Práticas Contemporâneas
O livro “Psicologia Clínica: Práticas Contemporâneas” reúne conhecimento científico atualizado, com orientações para uma prática ampliada da Psicologia Clínica.
O livro aborda os recentes avanços teóricos na área e demandas próprias da atualidade, inclusive associadas à vivência da COVID-19, bem como o uso das tecnologias de informação e comunicação, refletidos na clínica. No conjunto, a obra busca propiciar práticas transformadoras, com ética e responsabilidade.
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