por Alessandra de Sá Pinheiro
Resenha do texto “Mulheres Criativas Gerentes nas Organizações”, de autoria de Maria Celia Bruno Mundim e Solange Muglia Wechsler, capítulo 12 do livro “Criatividade em organizações: temas atuais”.
O texto “Mulheres Criativas Gerentes nas Organizações” destaca a importância da presença feminina no ambiente corporativo, especialmente em cargos de liderança e gerência. O documento aborda diversos desafios enfrentados pelas mulheres nesse contexto.
Uma das explicações para a ocupação tardia das mulheres em cargos de liderança nas empresas se deve à subvalorização da competência delas nesse papel, além do reconhecimento do estereótipo masculino em posições de comando pela sociedade, segundo Engen et al (2001).
Conforme esses autores, o sexo masculino é percebido pela organização como sendo mais decisivo, competente, racional, assertivo, agressivo, independente, enérgico, dominante e autossuficiente, enquanto as mulheres são vistas como sensíveis, afetuosas, expressivas, solícitas, compreensivas, simpáticas e conscientes dos sentimentos dos outros.
Além dos estereótipos, as mulheres enfrentam outras barreiras para o reconhecimento e ascensão nas organizações. Entre essas barreiras estão a existência de uma cultura que reluta em lhes conferir cargos de gerência e liderança, as exigências de promoção mais rigorosas para elas em comparação com os homens, e a falta de clareza nas normas de socialização e desempenho no trabalho (Sabharwal, 2015; Vecchio, 2002.).
Esses autores também mencionam como obstáculos a falta de compreensão do mundo dos negócios em relação aos papéis desempenhados pelas mulheres fora do ambiente de trabalho, a segregação dos sexos em diversos locais de trabalho e a resistência de muitos subordinados em aceitar uma supervisora do sexo feminino.
Essa sobrecarga é evidente na grande diferença entre a dedicação feminina e masculina a essas atividades. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2016), as mulheres dedicam-se, em média, pelo menos duas vezes e meia mais às tarefas domésticas não remuneradas e de cuidados do que os homens. Por outro lado, a disposição das empresas para considerar uma maior flexibilização do horário de trabalho para as mulheres parece estar longe de ser aplicada na prática (Betiol, 2000).
Apesar de enfrentarem desvantagens devido à avaliação preconceituosa de suas competências como líderes, especialmente em áreas predominantemente masculinas, a maioria das mulheres administradoras tende a apresentar um estilo de liderança diferente. Elas são mais colaborativas, compartilham mais poder e possuem maiores habilidades nas relações interpessoais, comportamentos que se aproximam do estilo de liderança democrático e transformacional (Eagly & Carli, 2003).
De forma semelhante, Vecchio (2003) e Engen et al. (2001) confirmam a vantagem das mulheres em posições de comando, destacando seu modelo alternativo de liderança, caracterizado por cooperação entre administradores e subordinados, menor controle, solução de problemas baseada em intuição e empatia, foco em pessoas, além de serem carismáticas e democráticas.
Paustian-Underdahl (2014) destacou a importância de considerar a influência de fatores contextuais moderadores, como o nível hierárquico gerencial, a natureza e o segmento da organização, a composição de grupos de subordinados equilibrados em termos de gênero e as práticas de gestão e de recursos humanos. Esses fatores podem favorecer tanto homens quanto mulheres em cargos de gestão.
Apesar dos estereótipos de gênero, Eagly e Carli (2003) observaram um aumento das mulheres em papéis de liderança nas organizações, com uma maior valorização de características tipicamente femininas, como intuição, flexibilidade e foco nas pessoas.
Esses estudos focam no impacto das mulheres em posições de liderança sobre seus subordinados, comparam os estilos de liderança entre os gêneros, destacam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para se inserirem em cargos executivos e evidenciam a discriminação e os preconceitos que elas sofrem no ambiente profissional de alta hierarquia.
Na pesquisa de Powell et al. (2002) com o objetivo de examinar se ocorreram alterações nos estereótipos de administradores masculinos e femininos, foi constatado que um bom administrador ainda é associado predominantemente ao gênero masculino sendo este relacionado a características de independência e disposição a correr riscos.
O estudo foi realizado em dois grupos de duas universidades americanas tendo o primeiro grupo composto por 206 graduandos de Administração, com uma média de idade de 21,2 anos, dos quais 43% eram do sexo feminino e o segundo grupo incluindo administradores que trabalhavam a maior parte do tempo e estudavam MBA, com uma média de idade de 31,7 anos, dos quais 44% eram mulheres.
Foi solicitado aos participantes que escolhessem características de um bom administrador e que se autodescrevessem utilizando também características. Para isso, foi utilizado o inventário do Papel Sexual de Bem (1981), um instrumento que contém dez itens com características estereotipadas do papel masculino, dez itens com características estereotipadas do papel feminino e dez itens com características não associadas a nenhum estereótipo.
Segundo análises realizadas por Sampaio et al. (2013) sobre as pesquisas da mulher executiva brasileira, embora as mulheres executivas estejam gradualmente ocupando seu espaço nas organizações, elas enfrentam desafios constantes. Isso inclui lidar com discriminação para permanecer na organização por necessidade de sustento, enquanto mantêm a esperança de exercer suas atividades profissionais com dignidade e igualdade em relação aos homens.
Nogueira e Kubo (2013) investigaram os conceitos de liderança por meio de entrevistas com 13 mulheres executivas de diversos setores empresariais, incluindo educação, indústria, comércio, serviços e financeiro no Estado de Pernambuco, Brasil.
A análise das respostas revelou que essas mulheres associam a liderança principalmente a aspectos comumente relacionais do gênero feminino, como habilidades de comunicação, uso da intuição na tomada de decisões, forte ênfase em relacionamentos interpessoais com a equipe, decisões compartilhadas com apoio e participação da equipe, e utilização de equipes de trabalho diversificadas.
Elas também identificaram desafios na liderança, incluindo falta de planejamento e despreparo da equipe em aspectos objetivos de gestão, além de questões relacionadas ao gênero, como estereótipos e resistência masculina à liderança feminina.
Os estilos de pensar e criar de gerentes, considerando seu gênero, idade e tipo de empresa em que trabalham foram objeto de pesquisa de Mundim et al. (2012). A amostra foi composta de 38 gerentes (23 homens e 15 mulheres), com idades variando de 30 a 53 anos, os quais trabalhavam em nove pequenas empresas do setor de serviços e em uma indústria de isolantes da região metropolitana de Campinas, tendo como instrumento de pesquisa a Escala Estilos de Pensar e Criar.
Constatou-se que as mulheres gerentes ouvem mais as ideias do grupo antes das tomadas de decisões e que possuem melhores habilidades relacionais com os funcionários, exercendo um estilo mais eficiente de liderança.
Segundo Baer e Kaufman (2008), a desigualdade na expressão criativa das mulheres tem suas origens nas interações sociais desde a infância. Para os autores, isso resulta na manifestação tardia da criatividade feminina devido à falta de estímulo inicial ao talento feminino, ao desencorajamento das mulheres em áreas predominantemente masculinas (como ciências e tecnologia), e à internalização de papéis de gênero considerados femininos
Portanto, é crucial que as famílias proporcionem condições adequadas para o desenvolvimento das habilidades e talentos das meninas, promovendo uma educação mais equitativa entre os gêneros (Chagas, 2008). O apoio familiar desempenha um papel fundamental na identificação e no desenvolvimento do talento de um indivíduo, conforme Olszewski-Kubilius (2000).
Estudos de Helson (1971) e Montgomery (1992) destacaram a importância significativa do pai na escolha de carreira de mulheres consideradas criativas, pois a profissão paterna muitas vezes expressa valores voltados para realização pessoal e avanços intelectuais, profissionais e culturais (Ochse, 1990).
Torrance (1995) delineou princípios essenciais para o desenvolvimento do pensamento criativo na educação, como incentivar a manipulação de ideias e objetos, demonstrar tolerância a novas ideias e fornecer estratégias para lidar com pressões de grupo.
No entanto, vários aspectos do ambiente escolar podem inibir a criatividade, como a resistência a alunos que questionam e discordam, o foco excessivo na reprodução de conhecimento, o autoritarismo dos professores, e a ênfase na passividade, obediência e conformidade dos estudantes (Alencar & Fleith, 2003a; Krumm et al., 2013).
O aumento da participação feminina no mercado de trabalho tem sido impulsionado por diversos fatores, como o aumento da escolarização das mulheres jovens, novas oportunidades oferecidas pelo mercado, modernização dos processos produtivos, presença de serviços públicos e privados voltados para a maternidade, e mudanças nos padrões culturais que cada vez mais valorizam o papel da mulher no trabalho remunerado (Bruschini & Lombardi, 2010; Pinheiro et al., 2009).
Em pesquisas sobre mulheres criativas no Brasil, observou-se que elas frequentemente enfrentam conflitos internos e externos para alcançar realizações pessoais e profissionais. Esses conflitos incluem barreiras externas impostas pela sociedade e desafios internos, como o medo do sucesso e sentimentos de auto sabotagem, relacionados à baixa autoestima e autoconceito (Wechsler & Guerreiro, 1986).
Entretanto, é notável que algumas mulheres talentosas têm dificuldade em reconhecer em si mesmas indicadores de criatividade, como curiosidade, originalidade, inventividade, aversão à rotina, habilidade para propor soluções criativas, disposição para correr riscos e enfrentar desafios (Pérez & Freitas, 2013).
Por exemplo, no Brasil, estudos biográficos de mulheres que se destacaram nas áreas médica, artes, política, esporte e ciências podem ser encontrados no banco de teses e dissertações do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, 2012) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD, 2012). Entretanto, a criatividade dessas mulheres não foi abordada nessas fontes.
Em uma revisão da literatura sobre mulheres altamente criativas, Rieger e Blaubergs (1979) constataram que, apesar de atuarem em diferentes áreas, essas mulheres tendem a exibir traços de personalidade semelhantes, como originalidade, flexibilidade, tolerância à ambiguidade, autoconfiança, persistência, independência, propensão a correr riscos e desejo de experimentar, independentemente do campo profissional.
Portanto, não há consenso entre os estudiosos sobre a motivação que impulsiona a criatividade. Alguns estudos associam a produção criativa à motivação intrínseca, enquanto outros sugerem os benefícios da motivação extrínseca, como prêmios em contextos específicos (Sternberg, 1999).
Assim, a energia e o trabalho árduo de pessoas criativas, juntamente com suas características de personalidade — como imaginação, questionamento, auto eficácia, independência de julgamento social e desejo por autonomia — facilitam a inovação, ou seja, a implementação de ideias criativas que tenham impacto econômico em um determinado contexto (Gisbert & Velasco, 2006; Patterson et al., 2009).
O estudo em indivíduos criativos tem revelado traços emocionais e cognitivos comuns presentes com frequência nessas pessoas. Estas incluem flexibilidade, fluência, originalidade, elaboração de ideias, sensibilidade interna e externa, imaginação, alta motivação, senso de humor, impulsividade, espontaneidade, autoconfiança, inconformismo, propensão a assumir riscos, independência de julgamento, persistência, uso de linguagem metafórica, abertura a novas experiências, habilidades de liderança, honestidade, otimismo, visão de futuro, curiosidade, dinamismo, senso de destino criativo, sensibilidade ao ambiente, atração por complexidade e tolerância à frustração (Dacey, 1998; Morais, 2001; Runco & Pritzker, 2011; Wechsler, 2008a).
O crescimento das mulheres em posições de gestão já é uma realidade, embora a proporção ainda seja reduzida em comparação aos homens. A literatura tem mostrado que as organizações estão reconhecendo o valor das mulheres pelo seu modo de liderança, devido à fusão de traços tipicamente femininos (percepção, adaptabilidade, foco em relações interpessoais) com atributos associados à masculinidade (decisão, autonomia, disposição para assumir desafios).
Alessandra de Sá Pinheiro
Técnica de Recursos Humanos e Graduanda do curso de Psicologia, atua com recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento de pessoas e é instrutora de empregabilidade.
Referência
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