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Psicologia do esporte e os jogos olímpicos de Tóquio 2020

por Evandro Morais Peixoto

 

Vista panorâmica de Tóquio e, ao fundo, o Monte Fuji.

Chegamos ao final das Olimpíadas de Tóquio e, como em todos os eventos olímpicos, tivemos a oportunidade de nos encantar com a magia das diferentes modalidades esportivas. Pudemos nos aproximar e nos apaixonar por modalidades não difundidas em nosso país, conhecer atletas que, até então, não tínhamos ouvido falar, nos emocionar com histórias de superação, exemplos do espírito olímpico e vibrar com nossos atletas durante toda a competição e conquistas de medalhas. Para além de todas estas questões, a grande mensagem dessas olimpíadas estava associada à humanização dos heróis olímpicos, dos atletas, e da relevância da saúde mental dessas pessoas.

Temas como o sofrimento psicológico decorrente das pressões das competições estiveram em evidência no noticiário esportivo e nos fizeram refletir sobre a importância da preparação psicológica dos atletas e de toda a estrutura física e emocional que deve estar disponível a eles durante o ciclo olímpico.

Vale lembrar que este último ciclo foi atípico por contar com cinco anos e por ser atravessado por uma pandemia de ordem mundial. Diante desta situação, vimos atletas brasileiros valorizarem os profissionais da psicologia e os processos de preparação psicológica que os ajudaram a superar tantos momentos desafiadores, como foi o caso da atleta Rebeca Andrade (ginástica) e do atleta Tiago Braz (salto com vara), por exemplo.

Já é esperado que temas relacionados à Psicologia do Esporte sejam veiculados com mais força durante grandes eventos esportivos. Especialmente, quando nos deparamos com uma derrota e tentamos atribuir às características psicológicas dos atletas o fato de não termos alcançado uma medalha ou superado algum adversário.

Contudo, tais movimentos pouco contribuíram para o avanço da Psicologia do Esporte ao longo do tempo, haja vista que quando as medalhas ou vitórias eram alcançadas, a Psicologia do esporte caía no esquecimento. Diante disso, cabe questionar: O que caracteriza o movimento atual de valorização da Psicologia do Esporte? E como este movimento pode contribuir para o avanço da área?

Em minha visão, o que há de mais importante nessa nova valorização da saúde mental dos atletas é que a urgência do tema parte dos próprios atletas. Neste caso, não são mais os comentaristas esportivos que julgam a “fragilidade/ robustez” psicológica dos atletas do conforto de suas poltronas, mas são os próprios atletas que exigem atenção à saúde mental sob a condição de não participarem das competições esportivas.

Neste cenário, o caso que ganhou mais notoriedade foi o da decisão da superestrela da ginástica dos Estados Unidos Simone Biles de não participar das competições de ginástica durante os jogos olímpicos privilegiando o cuidado com sua saúde mental.

Cabe destacar que esse movimento já havia apresentado suas primeiras expressões antes mesmo do início dos jogos, com a decisão da tenista japonesa Naomi Osaka de não participar do tradicional torneiro de Roland Garros, bem como uma das principais jogadoras de basquete da equipe da Austrália, e da liga americana de basquete WNBA, Liz Cambage, que decidiu não participar das olimpíadas também buscando preservar sua saúde mental.

Ainda podem ser citados os jogadores Kevin Love e DeMar DeRozan, ambos grandes estrelas da liga estadunidense de basquetebol, a NBA, que surpreenderam o mundo dos esportes ao compartilharem seus quadros de depressão.

A pauta levantada pelos jogadores levou a Associação Nacional de Jogadores de Basquete (National Basketball Players Association [NBPA]) a desenvolver o Departamento de Saúde Mental e Bem-estar (Mental Health & Wellness Department, ver https://nbpa.com/mentalwellness). Um recente exemplo brasileiro foi o jogador de futebol Michael Richard do clube Flamengo ao tornar público o quanto havia sofrido com a depressão no ano de 2020, bem com a ideação suicida que o fez literalmente gritar por socorro.

Em todas essas iniciativas, o que deve ser enaltecido é a força desses atletas pioneiros em apresentarem seus casos para o mundo. Pois à medida que atletas de tamanha envergadura se apresentam como pessoas que sofrem e passam por dificuldades em diferentes áreas da vida, que expõem as fragilidades do sistema esportivo como organizado na atualidade, abre-se o diálogo sobre temas tão relevantes. Por sua vez, tais espaços de reflexão dão força a outros atletas a falarem dessas dificuldades e a procurarem ajuda. De modo que uma cultura de humanização e de cuidado passa a ser estabelecida.

Todos esses acontecimentos demonstram o quanto os atletas estão expostos ao sofrimento psicológico e o quanto a preparação psicológica também deve fazer parte de uma formação integral desses profissionais, uma vez que estas pessoas não podem ser consideradas apenas sob a perspectiva de seus resultados esportivos, mas, sim, como sujeitos que integram experiências de diferentes naturezas: familiar, social, espiritual, profissional, entre outras.

Nesse sentido, entendo que esse movimento de “humanização” dos atletas serve inclusive para enxergarmos a precariedade da estrutura esportiva e social que os cerca durante não apenas o ciclo olímpico, mas sobretudo durante a sua formação esportiva. Pois, como apresentado em reportagem pelo site ge.globo.com, dos 309 atletas que compuseram a delegação brasileira em Tóquio, 131 não contavam com patrocínio, 36 realizavam permutas, 41 faziam “vaquinha” para se manter e 33 conciliavam o esporte com outros trabalhos (Ávila, 2021).

Nesse sentido, é necessário questionar qual o lugar que a Psicologia do Esporte tem ocupado nesses processos. É sabido que a área tem crescido, e ao contar com quatro psicólogas in loco, a delegação brasileira demonstra valorização dos aspectos psicológicos e suas influências no fenômeno esportivo. Contudo, sabemos que não adianta contar com a psicologia apenas às vésperas/durante os grandes eventos esportivos, pois é necessário o acompanhamento de atletas ao longo de toda a sua formação, e de maneira integrada ao seu desenvolvimento técnico, tático, físico e social.

Um bom exemplo disso foi protagonizado mais uma vez pela ginasta Rebeca Andrade, que demonstrou serenidade ao falar de suas emoções durante a competição, de sua capacidade em reconhecê-las e manejá-las para superar os desafios esportivos. Segundo a atleta, “o bom é que as pessoas estão vendo que isso não vem de graça, precisa de autoconhecimento” (Castro, 2021), autoconhecimento alcançado por meio da parceria de nove anos com sua psicóloga do esporte.

Contar com o reconhecimento dos atletas é de grande relevância, em especial para mostrar que o trabalho do psicólogo do esporte não se resume às ações nos grandes eventos esportivos, mas que corresponde a um processo que deve ser integrado aos trabalhos das comissões técnicas. Assim, fica cada vez mais evidente as demandas da Psicologia do Esporte (expressa pela voz dos atletas), o crescimento da área e as riquezas nas possibilidades de atuação profissional.

Já para Psicologia, fica a necessidade de maior aprofundamento nesta especialidade, de expansão e de divulgação do conhecimento desenvolvido pela área, bem como o oferecimento de oportunidades de formação técnica e eticamente robusta desde a graduação em psicologia. Do contrário, correremos o risco de termos a área em evidência apenas a cada quatro anos.

 

Referências

Ávila, C. (2021). Campeão olímpico sem clube, falta de patrocínio, vaquinhas: o cenário dos brasileiros em Tóquio. GE, globo.com. Recuperado de https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/campeao-olimpico-sem-clube-falta-de-patrocinio-vaquinhas-o-cenario-dos-brasileiros-em-toquio.ghtml?fbclid=IwAR2IZAfDiqEBn-u6O39BUek2GZLRx5SO2orGhNJP3TaplSnE77LlqKeUVb8

Castro, D. E. (2021). Trabalho de 9 anos com psicóloga molda serenidade de Rebeca nas Olimpíadas. Folha de S.Paulo. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2021/08/trabalho-de-9-anos-com-psicologa-molda-serenidade-de-rebeca-nas-olimpiadas.shtml?pwgt=kl9e5s9hi2arronbx7dj559ck7bmoeduu5unu1ajyytmxr7m&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift&fbclid=IwAR2Teft1MRNf_THLROeJ-qirCV0J0lXjGtgivOxwVxFstnr-Tl4xufpimiw

 

Evandro Morais Peixoto

Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco (USF).

Doutor em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), com estágio doutoral desenvolvido na Université du Québec à Trois-Rivières (UQTR), no Canadá, e estágio pós-doutoral na USF.

Membro do Grupo de Trabalho Avaliação Psicológica em Psicologia Positiva e Criatividade na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Membro da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP) do Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2020-2022). Coordenador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Psicologia do Esporte e do Exercício (NuEPPEE).

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