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A Importância da Ética e Técnica no Processo de Avaliação Psicológica
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A Importância da Ética e Técnica no Processo de Avaliação Psicológica

por Carlos Eduardo Bovenzo Filho

 

A Avaliação Psicológica pode ser definida como um processo técnico-científico cuja prática requer delimitação do tempo necessário para cumprir seu objetivo: a investigação de fenômenos psicológicos.

O profissional que realiza a avaliação poderá dispor de diferentes métodos, técnicas e instrumentos que possuam fundamentação cientificamente comprovada e, também, que sirvam como recursos subsidiários nesse processo investigativo – seja ele na área de psicologia clínica, jurídica, pesquisa, organizacional, hospitalar, esporte e demais campos que demandam esta prática (Cunha, 2000; CFP, 2013, 2018).

Considerando o rigor teórico na definição de Avaliação Psicológica enquanto processo, deve-se reforçar que sempre alicerçados pela ética, tanto a tecnicidade quanto cientificidade que compõem essa prática, devem se fazer presentes no dia a dia do profissional.

Isso se justifica, embora pareça óbvio, pelo fato digno de rememoração: a psicologia traz em sua base o cuidado para com a saúde mental e subjetividade humana, sendo uma prática que requer constante aquisição e atualização de conhecimento.

Entende-se que o conhecimento, de maneira geral, é algo que se constrói gradativamente. Isso também se aplica aos estudos e à prática em Avaliação Psicológica. Junto do olhar atento, o conhecimento nessa área já se inicia nas universidades – as quais, em suas grades curriculares, tendem a possuir diferentes formas de dissertar a Avaliação Psicológica e suas inúmeras técnicas.

Alude-se, de maneira caricata e pedagógica à teoria piagetiana: o aluno se depara com um novo objeto – a matéria de avaliação psicológica e, dando início à interação, tende a se aproximar e, dessa forma, promover sucessivas assimilações, acomodações e formações de esquemas sobre o assunto, ou seja, identifica, reconhece e estabelece compreensões acerca do assunto em questão.

Diante dessa aproximação ao novo conhecimento em Avaliação Psicológica, espera-se que algo nasça e que saberes se desenvolvam.

Mendes, Nakano, Silva e Sampaio (2013) realizaram um estudo relacionado ao conhecimento em Avaliação Psicológica por parte dos estudantes e, também, dos profissionais, justamente com o objetivo de investigar o domínio de conceitos importantes relacionados a esse assunto, no público supracitado.

Por meio de uma amostra que abrangeu 40 estudantes de psicologia e 40 psicólogos, abordados aleatoriamente em um congresso de psicologia ocorrido em 2010, foi aplicado um questionário elaborado pelas próprias autoras, composto por seis questões abertas que investigavam alguns temas, como:

  • O que é a avaliação psicológica;
  • Métodos que podem ser utilizados nesse processo;
  • Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI)
  • Conceitos de validade e precisão;
  • Requisitos mínimos para a aprovação de um instrumento.

 

Após os devidos procedimentos da pesquisa, os resultados mostraram que – apesar de se esperar maior quantidade de acertos por parte da classe de profissionais – não foi isso o que ocorreu.

As autoras, mesmo relatando o fato de ser uma amostra pouco ampla e não constar o período/semestre no qual os estudantes se encontravam, mostraram que a situação ainda assim se caracterizou como preocupante.

Mantendo como ponto de ancoragem a Avaliação Psicológica, tendo em vista a preocupação exposta no estudo de Mendes, Nakano, Silva e Sampaio (2013), é válido colocar em evidência a fronteira tênue que pode existir, nessa prática da psicologia, entre o “desconhecer” e o “fazer incorretamente”.

Dessa forma, é compreensível que a fusão entre ambas ações aspadas pode ocasionar infrações éticas, uma vez que, conforme o Art. 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005):

São deveres fundamentais dos psicólogos:
[…]
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;
[…]

Dessa forma, compreende-se que a prática profissional em psicologia, quando não respaldada pela técnica cientificamente comprovada, poderá acarretar o desserviço, negligência e, logo, o descuido para com a saúde mental e, desse modo, à integridade de seus respectivos clientes/pacientes, desdobrando-se sob a forma de uma prática antiética.

Concatenando à questão ética, Zaia, Oliveira e Nakano (2018) realizaram um estudo com base em 26 edições do Jornal do Conselho Federal de Psicologia (CFP), coletadas nas cinco regiões do Brasil, nas seguintes datas: maio/2015, agosto/2015 e março/2016. De 57 infrações analisadas, 35 estavam voltadas à questão da Avaliação Psicológica (elaboração de laudos inclusa neste montante).

Em um estudo do mesmo teor, Muniz (2018) realizou um levantamento dos processos éticos do CRP-SP, entre os anos de 2014 e 2018. Dos processos julgados que envolviam Avaliação Psicológica no ano de 2014, a porcentagem foi de 28,27%, enquanto em 2015, 2016 e 2017, respectivamente, levantou-se 44,74%, 55% e 11%.

Em 2018, os dados não estavam totalmente disponíveis. Além disso, Muniz (2018) salienta que – apesar de em 2017 o número de processos ter recaído – se tratava dos processos julgados, e não dos que poderiam estar em andamento.

Por mais que em ambos os estudos a ênfase nos processos tenha sido no campo de Avaliação Psicológica, não se sabe, exatamente, qual ou quais os procedimentos técnicos que culminaram em tais processos éticos.

Ou seja, é desconhecido se houve pouca maestria no manejo de testes, interpretações ou escrita incorretas e/ou fora de contextos, ou até mesmo, uma prática que contradiz as propostas de Bleger (1964/2011): a má condução de uma entrevista psicológica e seus desdobramentos.

Com base nisso e considerando a ramificação de áreas nas quais a avaliação psicológica se insere, é sensato recorrer a Hutz (2015), que promove a aplicabilidade, na própria avaliação psicológica, dos três princípios éticos postulados pelo documento Belmont Report. O autor reforça uma prática que preze o (1) Respeito pelas pessoas, (2) Beneficência e (3) Justiça.

Desse modo, compreendendo a elucubração de Hutz (2015) – tratando-se da avaliação psicológica em sua pluralidade, o profissional – além de seu respaldo técnico, deve enxergar o ser humano enquanto possuidor de direitos, autonomia e dignidade (alusão ao conceito Kantiano, no qual o ser humano tem o fim em si mesmo, e não estando a mercê dos propósitos alheios), fazendo da avaliação psicológica uma prática ética, cientificamente fundamentada, aquém de causar danos ao avaliado.

Destarte, os dados ancorados e, por fim, enovelados pelas considerações de Hutz (2015) mostram o quão necessário é alicerçar o fazer profissional da psicologia nos fundamentos técnicos-científicos e, sobretudo, na ética – uma vez que é por meio deste amálgama, quando incorporado (também) à prática em avaliação, que a psicologia harmonizará seus propósitos: buscar a compreensão e exercer o cuidado, enquanto processo investigativo, à saúde mental do ser humano em sua complexidade.

Carlos Eduardo Bovenzo Filho – CRP 06/148842

Graduado em Psicologia pela Universidade Universus Veritas – UNG. Colaborador do Departamento de Produtos e Pesquisa da Vetor Editora.

Referências

Bleger, J. (1964). A entrevista psicológica. In J. Bleger (1964/2011). Temas de Psicologia: Entrevista e grupo (4. ed., pp. 1-58). São Paulo, SP: WMF Martins Fontes. Publicado originalmente em 1964.

Conselho Federal de Psicologia [CFP]. (2005). Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o. Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Conselho Federal de Psicologia, [CFP]. (2013). Cartilha: Avaliação Psicológica (1. ed.). Conselho Federal de Psicologia. Recuperado de http://satepsi.cfp.org.br/docs/cartilha.pdf

Conselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018). Resolução n. 9, de 25 de abril de 2018. Estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo, regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos – SATEPSI e revoga as Resoluções n. 002/2003, n. 006/2004 e n. 005/2012 e Notas Técnicas n. 01/2017 e n. 02/2017. Recuperado de http://satepsi.cfp.org.br/legislacao.cfm

Cunha, J. A. (2000). Fundamentos do psicodiagnóstico. In J. A. Cunha & Cols. Psicodiagnóstico-V (5. ed. rev. e ampl., pp.23-31). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Hutz, C. S. (2015). Questões éticas na avaliação psicológica. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira & C. M. Trentini (Orgs.). (2015). Psicometria (pp. 165-174). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Mendes, L. S., Nakano, T. C., Silva, I. B., & Sampaio, M. H. L. (2013). Conceitos de avaliação psicológica: conhecimento de estudantes e profissionais. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(2), 428-445. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932013000200013

Muniz, M. (2018). Ética na Avaliação Psicológica: Velhas Questões, Novas Reflexões. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(spe), 133-146. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1414-98932018000400133&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Zaia, P., Oliveira, K. S., & Nakano, T. C. (2018). Análise dos Processos Éticos Publicados no Jornal do Conselho Federal de Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(1), 8-21. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932018000100008&script=sci_abstract&tlng=pt

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