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Breves considerações acerca do autismo e inclusão escolar

O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano que vem sendo estudado pela ciência há quase seis décadas, mas sobre o qual ainda permanecem, dentro do próprio âmbito da ciência, divergências e grandes questões a serem respondidas. 

Os autistas ainda recebem metáforas horríveis que circunscreveram o imaginário teórico e clínico e que acompanham tanto os familiares quanto aqueles que trabalham com essas crianças.

“Tomadas desligadas”, “conchas”, “carapaças” são metáforas que geralmente definem os autistas. São definições pelo déficit, pela ausência do desejo, da fantasia, da relação com o mundo e com a vida, quase como um ser sem subjetividade, ou pelo menos sem semelhança de subjetividade que permita um mínimo de positividade. “Mas o que eles têm? Pois só é dito o que eles não tem?” (CAMPELL apud CAVALCANTI; ROCHA, 2007, p. 12).

As autoras questionam ainda o porquê de ser autista significar ser estranho? Ser diferente? Viver em um mundo desconhecido para os outros ditos como “normais”? Mundo este que a ciência quer muito desvendar a fim de encontrar uma cura que venha aliviar a dor de muitos que sofrem por não suportarem ver seus filhos ou parentes com comportamentos que os distanciam da realidade.

São várias teorias que tentam explicar este universo, mas alguns sintomas e comportamentos já puderam ser observados e analisados. Podemos encontrar no DSM-V (AMERICAN, PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013), uma relação de vários comportamentos apresentados pelos indivíduos autistas.

Na leitura deste manual, é possível ainda perceber o quão delicado é o diagnóstico do autismo, haja vista a diversidade dos sintomas apresentados, por exemplo, crianças que falam e outras que não falam; crianças com pouco ou nenhum tipo de contato social, outras com nível de desenvolvimento cognitivo adequado para a sua idade e movimentos estereotipados entre outros.

Garotinha fazendo pinturas e desenhos espalhados sobre a mesa

É importante frisarmos que o Transtorno do Espectro Autista não é uma doença única, mas sim um distúrbio de desenvolvimento complexo, definido de um ponto de vista comportamental, com etiologias múltiplas e graus variados de severidade, independentemente da raça, etnia, classe social ou condição cultural, que se caracteriza por desvios qualitativos na “comunicação, na interação social e no uso da imaginação/raciocínio abstrato” (MELLO, 2007, p. 16).

Cabe ressaltar que é comum encontrar estruturas autísticas associadas a outras patologias (essencialmente a epilepsia e certas cegueiras congênitas). Em muitos casos, o transtorno do espectro do autismo também está associado ao “retardo mental” (deficiência mental/intelectual), “alterações na linguagem”, “carência afetiva”, “transtornos do déficit de atenção e hiperatividade”, “transtornos psicóticos: esquizofrenia”, “transtorno desafiador de oposição”, entre outros, surgindo daí a dificuldade em finalizar um diagnóstico conclusivo, tal como descrevem Schwartzman e Araujo (2011, p. 45-52).

Atualmente, embora o autismo seja bem mais conhecido, tendo até mesmo sido tema de vários filmes de sucesso, ele ainda surpreende pela diversidade de características que pode apresentar e pelo fato de, na maioria das vezes, a criança que tem autismo ter uma aparência totalmente normal. É igualmente significativa a quantidade de livros escritos por seus pais e de relatos autobiográficos publicados por “autistas” (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

A década de 1990 foi uma época marcante, pois aconteceram amplas reformas estruturais e educacionais no país, inspiradas e direcionadas por organismos internacionais, caracterizadas pelo discurso de Educação para Todos (Unesco).

Capa do produto com imagem de mãos adultas acolhendo mãos infantis, as quais seguram um objeto em formato de coração com estampa de quebra-cabeças

Dessa forma, o governo brasileiro se vê pressionado, diante das mudanças, em obedecer ao paradigma da educação inclusiva, o que trouxe uma mudança radical no panorama do sistema educativo do Brasil, principalmente em relação ao aumento do número de matrícula das crianças com deficiência na rede comum de ensino, como resssalta Corde (2004).

Para Magalhães (2011), inicia-se nesse período a ideia de uma educação inclusiva, quando se amplia a discussão sobre a atuação da educação especial, principalmente nas escolas públicas. A nova proposta de educação inclusiva traz em si a luta para romper com a ideia de inserção apenas física das crianças com deficiência no ensino comum, como é vista por grande parte das pessoas.

Segundo Figueira (2011) a educação inclusiva contrapõe-se a todo e qualquer tipo de discriminação e, nessa perspectiva, a escola precisa rever todos os seus conceitos, em busca de uma educação que respeite a heterogeneidade. Essa tarefa não é nada fácil para uma instituição que se acostumou à padronização, que excluiu de seu espaço qualquer forma de diversidade.

Um dos principais documentos em defesa da educação inclusiva é a Declaração de Salamanca, criada em 1994, na Espanha.

Ela chama atenção dos governantes para o atendimento das pessoas com deficiência no ensino comum, instituindo que: cada criança tem características, interesses e capacidades de aprendizagem que lhe são próprios; os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes características e necessidades; as pessoas com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas comuns, que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades.

Com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), ocorreram grandes transformações nos sistemas de ensino dos países signatários, e mesmo o Brasil não fazendo parte, comprometeu-se a implantar as novas diretrizes para educação de crianças com deficiência, havendo no país um aumento significativo do número de matrículas de crianças com deficiência nas escolas públicas.

Magalhães (2011) afirma que essas transformações geraram de início um grande impacto, pois os professores, os gestores, os educadores e os pais de alunos sem deficiência reagiram com temor à ideia da inclusão.

Essa reação deveu-se às representações que se fazem das crianças com deficiência. Diz ainda que diante do novo panorama o governo brasileiro teve de reformular sua política de atendimento às crianças com deficiência no ensino comum.

Uma das primeiras resoluções foi a introdução da política de Educação Inclusiva nas políticas públicas do sistema educacional, das quais podemos apontar as principais, como: Política Nacional de Educação Especial (PNEE); a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional Lei de nº 9394/96, o Parâmetro Curricular Nacional (PCN) de Adaptações Curriculares para a educação de alunos com NEE (BRASIL, 1997) e o – Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2000).

Esses documentos possibilitaram um grande passo no processo de inclusão escolar, pois garantem, por lei, o acesso das crianças com deficiência ao ensino comum, portanto, tornando-se proibido a recusa de matrículas por parte das escolas.

Conforme Figueira (2011), com o direito de acesso garantido por lei, é preciso assegurar a permanência e o prosseguimento do estudo das crianças com deficiência no ensino comum. A luta pela qualidade na educação deve ser defendida para todas as crianças, e a inclusão, como movimento social, representa um dos principais caminhos para se buscar esse objetivo.

Ressalta, ainda, que não adianta apenas assegurar a presença física da criança com deficiência na escolar regular; ela precisa fazer parte efetiva do processo deensino-aprendizagem, e para tal, a escola necessita refletir como incluí-la.

No entanto, ainda existem divergências entre os teóricos sobre o processo de inclusão. Mantoan (2006), por exemplo, defende a inclusão total, independentemente do grau de deficiência e sem o suporte das escolas especiais. Para a autora “todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de aulas do ensino regular.” (MANTOAN, 2006, p. 19).

Já Omote (2009 apud FIGUEIRA, 2011) tem um ponto de vista diferente. Entende que nem todos os tipos de alunos com deficiência podem ser incluídos nas classes regulares, pois é necessário ter critérios bem definidos para esse processo, uma vez que se sua inclusão for feita de forma precipitada, sem os devidos cuidados, em vez de favorecê-los, poderá prejudicá-los, aumentando ainda a segregação.

Consta na Cartilha de Direitos das Pessoas com Autismo (2012) que a inclusão escolar é uma política que busca perceber e atender às necessidades educativas especiais de todos os alunos, em salas comuns, em um sistema regular de ensino, de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos.

Todos os alunos devem ter a possibilidade de se integrar ao ensino regular, mesmo aqueles com deficiências ou transtornos de comportamento, de preferência sem defasagem idade-série.

Podemos afirmar que o processo de inclusão escolar ainda está em um momento de transição, o que é compreensível, por ser considerado recente em nosso país.

Atualmente, está ganhando força, pois é anunciado como a forma mais recomendável de atendimento educacional, beneficiando não só os alunos com deficiência, mas também os que se encontram excluídos da sociedade.

Referências

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Porto Alegre: Artmed, 2013.
  • BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Brasília: 1988.
  • ______. Lei de Diretrizes e bases da educação nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 
  • ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptação Curricular.  Estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: MEC, SEESP, 1997.
  • ______. Plano Nacional da Educação. Brasília: MEC, SEESP, 1997.
  • ______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Constituição Federal. Brasília: MEC, SEESP, 2000.
  • CAVALCANTI, E.; ROCHA, P. S. Autismo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
  • FIGUEIRA, E. O que é educação inclusiva. São Paulo: Brasiliense, 2011.
  • MAGALHAES, R. C. B. P. Educação Inclusiva: escolarização, política e formação docente. Brasília: Liber Livro, 2011.
  • MANTOAN, M. T. E. O direito de ser, sendo diferente, na escola. In: RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo, 2006. p. 184-2007.
  • MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. São Paulo: AMA, 2007. 
  • MELLO, G. A. S. M. O tratamento do doente mental no Brasil no século XX. São Paulo: Biblioteca 24 horas, 2012.
  • SCHWARTZMAN, J. S.; ARAUJO, C. A. Transtornos do Espectro do Autismo – TEA. São Paulo: Memnon, 2011. 
  •  
  • UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: Corde, 1994

Autora: Glenda Aref Salamah de Mello Araujo 

Mini Currículo: Psicanalista e Psicóloga. Especialista em Educação Especial e em Psicologia Clínica E mestre em Fundamentos Psicossociais do Desenvolvimento Humano. Equipe Técnica do Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado – CAPE/Secretaria da Educação. E-mail:glendaref@uol.com.br.

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