por Sonia Hueb, psicóloga, advogada, proprietária da CENOPP, distribuidora autorizada da Vetor Editora em Brasília.
Tem-se que interdisciplinaridade é um adjetivo que se refere à relação entre duas ou mais disciplinas, ou ramos do conhecimento, é o que expõe a interconexão, a interação entre os conhecimentos, ou ramos do saber, segundo Houaiss (2001).
Sem o propósito de produzir o esgotamento da temática, serão mencionados tópicos conectivos usuais do Direito com a Psicologia presentes no desempenho profissional do psicólogo.
Os ramos dos conhecimentos citados, em epígrafe, estão entrelaçados por seu objeto comum, o comportamento humano.
A Psicologia busca compreender, diagnosticar e prognosticar o comportamento humano e o Direito propõe-se a regular, delimitar e instruir o mesmo objeto, o comportamento. Pode-se afirmar que o Direito controla, civiliza e reprime as ações humanas.
A interface entre a Psicologia e o Direito vem ampliando a atuação profissional do psicólogo no campo da Justiça.
Richard A. Posner, em sua obra Fronteiras da teoria do direito (2010, p. 281 ss.), discorre sobre os pressupostos teóricos do Direito, que são pilares contidos na teoria de Aaron Beck. Entre eles podem ser citados: a plausibilidade da análise da emoção ao iniciar uma investigação; a afirmação de que a emoção é a antítese convencional da faculdade racional, fator emocional que interfere na severidade ou na brandura do direito em relação ao transgressor, podendo ser verificado na densitometria da pena, em que todos os envolvidos na prática judicial, sejam eles juízes, jurados, promotores ou policiais, precisam ter controle das suas emoções, por ocasião das suas práticas profissionais, contudo, não devem ser frias, como computadores; no direito, deve e pode impedir que o fator emocional presente nos litígios judiciais frustre os esforços para que as partes entrem em acordo; na racionalidade, deve predominar em todas as práticas judiciais, é o auxílio da Teoria Cognitiva da Emoção que começou Aristóteles e ainda é um desafio na prática da Justiça até os dias atuais; tem-se ainda que o excesso de emoção ou o tipo errado dela pode levar a uma decisão inferior, propondo-se que decisão é uma forma de ação e que esta não existe sem emoção. Não se deve ser racionalista, pensando que há, na maioria das vezes, a presença do controle das emoções ao lidar com a Justiça.
O Direito reconhece que a emotividade é uma dimensão do comportamento humano. Isso é observado em diversos momentos da prática judicial, por exemplo, defender com argumentos, no Direito Penal, quando juízes e jurados esperam que os réus demonstrem remorso, uso do estado mental subjetivo; quando o advogado alega as circunstâncias como eliciadoras do feito; quando ocorre a punição social, como em alguns estados dos Estados Unidos, nos quais o apenado deve usar um adesivo, em que se leia “Fui condenado por agressão sexual, por vandalismo”, visando dissuadir a prática, são as penas de envergonhamento. Vem o behaviorismo e mostra que a supressão da liberdade é tida como mais eficaz, pois a pena de humilhação exacerba tensões raciais e étnicas.
A Psicologia propõe que os profissionais da Justiça devam ter empatia e solidariedade, que são exemplos do caráter cognitivo da emoção, que eles devem se desviar da parcialidade e do envolvimento com quaisquer partes litigantes. A imparcialidade vincula-se ao autodomínio, ou seja, ao controle das emoções exageradas.
É proposta aos aplicadores da Justiça a clemência, que é emoção nobre, quando associada à severidade aplicada a cada caso, na sua especificidade legal, isto porque as consequências de uma sentença, de uma decisão judicial atingem não só os litigantes, mas, muitas vezes, toda a sociedade; não se aplicar a heurística, que é uma distorção do raciocínio, não justifica apegar-se ao que é visto e sentido, no momento.
A conexão dos pressupostos teóricos entre o Direito e a Psicologia faz-se presente na atuação profissional do psicólogo, em diversas práticas, entre elas:
- – quais serão as especificidades quando na prestação do serviço de Psicologia envolver menor; quando genitores forem divorciados; quando a guarda for compartilhada ou monoparental; quando houver perda de poder parental; quando houver interdição; quando o filho for maior, mas dependente financeiro;
- – princípios legais que consignam direitos diante dos resultados das avaliações psicológicas, psicodiagnósticas, com resultados envolvendo diagnósticos codificados na CID-10 e com especificações no DSM-5, por exemplo, os transtornos de personalidade que legalmente têm tratamento diferenciado das doenças mentais e dos déficits intelectuais;
- – quando da elaboração e do uso do laudo psicológico, como conciliar a preservação dos dados e dos resultados com a Lei Geral de Proteção de Dados;
- – quando o psicólogo trabalha com pesquisas na área da Psicologia, conhecer leis regulamentadoras, direitos e deveres das partes;
- – quando do uso de testes psicológicos nas diversas avaliações, inclusive nos concursos públicos, nas perícias e nas seleções, o psicólogo deve conhecer quais garantias legais são asseguradas aos avaliados e quais são os deveres do profissional.
Facilita a prática profissional do psicólogo os conhecimentos relacionados aos conteúdos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Estatuto do Idoso, das regulamentações relativas aos interditos e aos incapazes de modo generalizado.
O conhecimento de alguns pressupostos legais será facilitador para a atuação do psicólogo, quando atuar como perito judicial e também como assistente técnico. O primeiro é nomeado pelo magistrado, obedece a um rito, produz provas, e o juízo, juiz e promotor desfrutam da prerrogativa de acolhê-las ou não.
O psicólogo não julga nem deve sugerir decisões. Avalia, responde quesitos, relata e conclui o que for devido. O psicólogo não julga nem decide, pois são funções do juiz. Quando atuar como assistente técnico, presta serviço em favor do contratante, analisando a pertinência, a adequação, a eficácia, a eficiência e a legalidade de todos os procedimentos, testes, conteúdo e apresentação do laudo e assim como dos quesitos formulados pela outra parte da lide. Pode sugerir complementos à avaliação, bem como solicitar alterações tecnicamente necessárias.
Ainda no campo da Psicologia Jurídica, o psicólogo poderá atuar como consultor técnico do advogado, da magistratura, do promotor, do delegado, do investigador, do secretário de segurança e de Ministros de Tribunais diversos, inclusive do Trabalho, esclarecendo e emitindo pareceres no tocante à saúde mental, aos transtornos mentais, aos transtornos de personalidade e de conduta, ao profiling criminal e outros desvios psicológicos.
Na atualidade, há a exigência legal da avaliação psicológica para a ocupação de cargos públicos específicos, especialmente militares e outras carreiras, como a magistratura. O psicólogo, além de ser, naturalmente, de acordo com a Lei n. 4.119/1962, o aplicador, o responsável técnico pelo processo, pode também atuar como assistente do avaliado, para analisar a adequação técnica, teórica, ética da avaliação e dos resultados apresentados. Ele produzirá um relatório técnico ou ata de atendimento que será usada como subsídio judicial, pelo advogado, se assim convier ao caso.
O psicólogo atuará profissionalmente, na Psicologia Jurídica, nos casos de investigação de simulação e de dissimulação; de comportamentos violentos, analisando a periculosidade; de competência parental e de guarda de filho; de credibilidade do testemunho de crianças e de outros menores; de avaliação de dano psicológico; de litigância de má-fé; de regulamentação de visita, convivência e guarda; de violência doméstica com base na Lei Maria da Penha; de contestação de paternidade; de adoção; de violência intrafamiliar contra idoso; de atendimento a adolescentes privados de liberdade; de abrigamento de menores vitimizados e também na mediação judicial.
Há, ainda, a prerrogativa profissional de atuação do psicólogo, na Justiça do Trabalho, nos casos que envolvem acusação de assédio, danos morais, abuso de autoridade, de Síndrome de Burnout e outros casos contextualizados.
A interdisciplinaridade do Direito e da Psicologia não tem somente a abrangência exposta, alcança o Direito de Trânsito, o Direito do Armamento, o Direito Econômico e outros campos do conhecimento relacionado ao Direito.
Salienta-se também que não se evidencia, tanto nos cursos de Psicologia como nos de Direito, nenhum ensinamento, nem dos princípios básicos, com relação à importância da referida interdisciplinaridade, o que pode gerar lesões e perdas inimagináveis à sociedade e aos profissionais dos referidos campos dos conhecimentos, tanto da Psicologia, quanto do Direito.
Não é raro encontrar pessoas cursando as duas graduações ou profissionais portadores de ambos os títulos, ligados ao Direito e à Psicologia, em conformidade com a Lei Federal n. 4.119/1962 (que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicologista).
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Referências
Beck, A. T. (2019). Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade (3ª ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.
Houaiss, A. (2001). Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.
Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm
Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
Posner, R. A. (2010). Fronteiras da teoria do direito (J. L. Camargo, P. Sette-Camara, P. Salles & E. F. Silva, Trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes.
Richard, H. T. (2019). Misbehaving: a construção da economia comportamental. Rio de Janeiro, RJ: Intrínseca.