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Psicoterapia na infância: teoria e técnica psicanalítica | Resenha

por Ana Carolina Rodrigues Choli

Homem adulto e uma criança sentados no tapete de uma sala. A criança está com baquetas nas mãos e em frente as pernas um tambor de brinquedo

O livro Psicoterapia na infância: teoria e técnica psicanalítica, publicado em 2022 pela Vetor Editora, é composto de 13 capítulos escritos por 16 autores e organizado por Andrea Kotzian Pereira, Elisabeth Kuhn Deakin e Maria Lucia Tiellet Nunes.

Com o objetivo de promover reflexões quanto à articulação da teoria com a práxis psicanalítica, a obra destina-se a psicoterapeutas que buscam ingressar nos mais variados temas que caracterizam o atendimento infantil.

A estrutura dos capítulos é constituída de resgates históricos, contribuições de autores expoentes da teoria psicanalítica e vinhetas clínicas que fornecem subsídios fundamentais para pensar o trabalho psicoterapêutico em sua complexidade e atualidade.

No primeiro capítulo, chamado “História da psicoterapia psicanalítica na infância”, as autoras Andrea Kotzian Pereira e Elizabeth Kuhn Deakin propõem uma retomada epistemológica do atendimento psicanalítico infantil.

Estabelecem como marco inicial a intervenção realizada por Sigmund Freud no caso do Pequeno Hans (Freud, 1909/1971), no qual se revela não apenas a possibilidade de tratamento às crianças, mas também a necessidade de adaptações técnicas às peculiaridades deste atendimento.

O texto, então, sistematiza os principais autores e autoras que se dedicaram a responder a essa nova demanda, elencando alguns conceitos basilares de suas produções clínico-teóricas, que vieram a se tornar referências no atendimento psicanalítico infantil.

Entre estas estão contempladas as contribuições de Melanie Klein, Anna Freud, Donald Winnicott, Michael Balint e Wilfred Bion, John Bowlby, Margareth Mahler e Françoise Dolto. Ao final, o capítulo traz um recorte da América do Sul, destacando os trabalhos em psicanálise da argentina Arina Aberastury e do argentino Maurício Knobel, do médico brasileiro Arthur Ramos e do psicanalista brasileiro Décio Soares de Souza.

O segundo capítulo, “A ética na psicoterapia psicanalítica com crianças, salienta a importância do compromisso ético profissional diante dos desafios que permeiam a clínica com crianças. Desta forma, as autoras Andrea Kotzian Pereira e Maria Lucia Tiellet Nunes interpretam, à luz dos preceitos do Código de Ética Profissional do Psicólogo, situações típicas com as quais os profissionais se defrontam em sua práxis cotidiana.

Entre os exemplos mencionados, o sigilo destaca-se em sua complexidade e relevância para a aliança terapêutica, devendo ser preservado diante das articulações necessárias entre a família e profissionais do convívio da criança.

Em “Observação de bebês: base para a formação do psicoterapeuta”, título do terceiro capítulo, é apresentado à leitora e ao leitor o Método Bick, que estabelece uma técnica de observação da relação pais-bebê (ORPB).

Por uma descrição minuciosa, as autoras Norma Utinguassu Escosteguy e Ester Malque Litvin asseguram a consistência do método, explicitando sua eficácia mesmo após 50 anos de sua formulação.

Para tal fim, articulam trechos do próprio artigo originário de Esther Bick, de 1968, juntamente com outras referências que complementam e atualizam a temática. A relevância do estudo justifica-se na contribuição para a formação de psicoterapeutas e na possibilidade de promover intervenções de caráter preventivo.

Destaca-se, ainda, a importância da posição de observador como uma figura empática capaz de conter ansiedade e facilitar a instauração dos vínculos parentais.

Seguindo a tônica do trabalho preventivo, o capítulo 4, denominado “A técnica em intervenção precoce”, preconiza o estudo dos vínculos primários na estruturação e desenvolvimento psíquico infantil.

Giuliana Chiapin e Inta Muller, que assinam o texto, trazem diversos autores que se dedicaram às identificações, projeções e formas de comunicação da díade cuidador(a) primário(a) e bebê, bem como as possíveis intervenções que viabilizam a melhora da qualidade da relação e das trocas.

O capítulo descreve também aspectos transgeracionais e representações inconscientes que atravessam as interações e obstaculizam o exercício da parentalidade de maneira saudável.

A psicoterapia contribui para o reconhecimento desses aspectos inconscientes, para a melhor compreensão das necessidades e da singularidade do bebê e também para a produção de significados às ações.

No capítulo 5, “O atendimento a pais na psicoterapia com crianças”, Elisabeth Kuhn Deakin aborda a importância da inclusão e escuta dos pais no processo psicoterapêutico infantil. Tal premissa é sustentada por inúmeros aspectos, como fantasias inconscientes, memórias infantis e projeções que operam sobre o exercício da parentalidade, tendo impacto significativo na constituição subjetiva dos filhos.

Com base nessas considerações, a autora elabora orientações técnicas que propiciam uma aliança terapêutica mais favorável para a construção de um ambiente continente que permita o desenvolvimento saudável da criança.

Psicoterapia na infância

Em “Psicoterapia psicanalítica e vitimização”, título do sexto capítulo, Ana Celina Garcia Albornoz elucida as especificidades do atendimento à criança em situação de vitimização, seja por abuso, negligência ou abandono.

A complexidade dos casos demanda um suporte interdisciplinar que permita uma condução reparadora às experiências invasivas e de opressão. Destaca-se, ainda, a importância de permitir a expressão de agressividade como um caminho para a elaboração.

O sétimo capítulo, intitulado “A adoção e a psicoterapia psicanalítica: desafios da técnica”, traz subsídios para a compreensão do contexto multifacetado da adoção. Andrea Kotzian Pereira e Ana Celina Garcia Albornoz discutem o cuidado no processo adaptativo das novas famílias, ressaltando a necessidade de reconhecimento de aspectos da história prévia dos envolvidos que são transferidos para os novos vínculos.

Entre os principais temas evocados estão: as expectativas parentais, o luto pela infertilidade, o confronto do filho ideal com o filho real e a fantasia de rejeição que subjaz a revelação da origem dos filhos. O histórico de privação, negligência, abusos e ruptura dos vínculos primários das crianças adotadas deixam marcas que são atuantes nas novas relações.

O capítulo descreve de que forma a psicoterapia, nestes casos, permite o reconhecimento dos fantasmas que operam na dinâmica familiar, proporcionando uma elaboração conjunta da história prévia de cada indivíduo e ampliando a compreensão imprescindível para a construção de um novo núcleo familiar mais integrado.

A autora Maria Helena Mariante Ferreira aborda, no oitavo capítulo, as possibilidades de atendimento em casos de violência sexual. O título “Psicoterapia na violência sexual: tortura ou cicatrização?” anuncia a complexidade do manejo, no qual o trauma impõe novos paradigmas para a técnica psicoterápica.

Distingue-se, assim, a estratégia voltada ao insight, referenciada à patologia do conflito, da psicoterapia do déficit, direcionada à validação da vivência traumática como via de acesso aos afetos bloqueados e à experiência cristalizada. Além das características diagnósticas, o texto discorre sobre a importância da análise da contratransferência, já que o conteúdo traumático pode evocar defesas acentuadas no terapeuta que inviabilizam um manejo adequado do caso.

O atendimento baseado na queixa escolar é tema do nono capítulo, que recebe o título “Escutando e atendendo crianças na escola: múltiplos olhares e distintas possibilidades”. Sob a autoria de Luiza Maria de Oliveira Braga Silveira, o texto traz luz às contribuições psicanalíticas para uma articulação entre a família e a escola, instâncias estruturantes da subjetividade infantil.

Alerta-se para o fenômeno da patologização por meio da individualização da queixa escolar a fatores da personalidade da criança, desconsiderando as contribuições adoecedoras e potencializadoras do ambiente. Desta forma, o capítulo defende uma intervenção no sistema relacional família-escola-aluno, ampliando a queixa e promovendo a implicação coletiva como resolução da situação-problema.

O décimo capítulo é de autoria de Andréia Mello de Almeida Schneider e Cristiane Friedrich Feil, que descrevem a prática da avaliação psicológica com crianças. Define-se como um exame suscitado por uma demanda específica, composto de entrevistas e instrumentos que auxiliam na compreensão das demandas do sujeito, além de direcionar ao tratamento mais adequado.

Ao descreverem as etapas de todo o processo, as autoras desconstroem o reducionismo equivocado entre aplicação de teste e avaliação psicológica, situando o primeiro como uma etapa do segundo e destacando a importância da escuta de fontes complementares e de entrevistas lúdicas com a criança.

O capítulo 11 apresenta os impactos dos transtornos alimentares em crianças e adolescentes, estabelecendo possíveis associações com a depressão, ansiedade e dificuldade de lidar com a sexualidade latente.

Considerando a base multifatorial que caracteriza o fenômeno, Clarissa Zavagna Gralha investiga os diferentes cenários que propulsionam o desenvolvimento de compulsões alimentares, bulimia e anorexia. São apresentadas, ainda, orientações quanto ao trabalho psicoterápico nestes casos, apontando indícios comportamentais que denunciam a existência do transtorno e ressaltam a necessidade de intervenções interdisciplinares.

“A técnica de psicoprofilaxia cirúrgica: história, desenvolvimento e prática junto à criança” é o título do capítulo 12, cuja autoria é de Patrícia Pereira Ruschel. Considerando que o adoecimento e hospitalização são cenários marcados por rupturas do cotidiano e ameaças à saúde, a psicologia tem um papel importante no manejo da angústia e redução do risco traumático da vivência.

Ao fundamentar-se no trabalho da psicanalista argentina Arminda Aberastury, a autora propõe uma técnica lúdica que permite tanto a comunicação de procedimentos médicos necessários quanto a elaboração das fantasias inconscientes da criança adoecida.

Discute-se os efeitos benéficos observados em diferentes pesquisas, como a redução dos níveis de ansiedade e maior capacidade adaptativa aos procedimentos.

O último capítulo, escrito por Márcia Rejane Semensato e Claudio Roberto Wenzel de Carvalho, traz o histórico, as características, o diagnóstico e a técnica de atendimento voltados ao transtorno do espectro do autismo.

De etiologia multifatorial, diversas áreas e linhas teóricas intentam abranger o tema, contribuindo com diferentes interpretações, mas sem jamais o esgotar. Partindo do viés psicanalítico, discute-se uma falha representacional que exclui o outro, gerando impactos no desenvolvimento subjetivo.

Semensato e Wenzel ressaltam a importância da participação dos pais no acompanhamento, viabilizando o processo de significação da experiência e reinvestimento no exercício da parentalidade. Com a apresentação de exemplos clínicos, o capítulo defende uma intervenção pautada na singularidade do caso, permitindo o advento do sujeito.

Apesar da pluralidade de autores e temas que compõem a obra, observa-se a coesão entre os capítulos, oportunizada por uma linguagem clara e por uma estrutura bem definida, seguindo contexto histórico, análise da técnica e casos clínicos.

O livro instiga a leitora e o leitor a refletirem sobre as diferentes possibilidades de manejo na psicoterapia infantil, atualizando e consolidando os referenciais da psicanálise por meio do exercício prático-teórico que lhe deu origem.

Livro psicoterapia na infância

Psicoterapia na Infância: Teoria e Técnica na Abordagem Psicanalítica

No livro “Psicoterapia na Infância: Teoria e Técnica na Abordagem Psicanalítica”, profissionais com vasta experiência na técnica de orientação psicanalítica com crianças, com temas distintos e complementares, compartilham a sua experiência clínica, aliada a bagagem teórica, possibilitando pensar sobre as melhoras formas de inserção e atuação em prol do desenvolvimento das crianças e seus pais.

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