por Conduta clínica em neuropsicopedagogia: da propedêutica à devolutiva
Resenha do Livro: Conduta clínica em neuropsicopedagogia: da propedêutica à devolutiva, de R. C. Pessoa. São Paulo: Vetor Editora.
O ensino e a aprendizagem estão ligados e entrelaçados na prática do contexto escolar. A psicologia da educação busca o entendimento de como o educador pode adaptar o seu ensino conforme o nível dos educandos e os seus processos de aprendizagem, para ir além da escola. São muitos os questionamentos e, para buscar respostas a esses desafios, os profissionais da educação adentram a área da neuropsicopedagogia.
Nesse sentido, as neurociências assumem posição de paradigma nos mais diversos campos de conhecimento em busca de um diálogo, dentre eles, a educação.
Com o objetivo de contribuir para a formação de profissionais da educação adentrar no ambiente terapêutico, por meio do encontro entre a educação e as neurociências, Rockson Costa Pessoa edita este livro, apresentando de forma reflexiva desde os aspectos mais básicos – setting terapêutico e a relação paciente-terapeuta – até aos mais complexos, como a entrevista devolutiva. O livro é composto de 11 capítulos.
O primeiro capítulo, intitulado Sobre enseadas, o autor define o profissional de neuropsicopedagogia, o qual atua de modo a discutir possibilidades diante de diagnósticos com relação ao contexto escolar. Sendo assim, é responsável por orientar a equipe pedagógica e as famílias dos alunos.
O objeto de estudo é a relação do sistema nervoso e a aprendizagem humana, com o olhar para a reintegração social, pessoal, escolar e dos fatores externos que contribuem para o processo ensino-aprendizagem. O autor percorre pela fantasia neurológica, os neuromitos e encerra o capítulo com pontos de reflexão e sugestões de leitura.
Caso clínico é o tema do segundo capítulo. Aborda um caso encaminhado para atendimento neuropsicopedagógico de uma criança de 8 anos que apresenta prejuízo comportamental e solicitação de laudo pelo psiquiatra. O autor descreve todo o processo, com datas das sessões realizadas, assim como os ambientes físicos (consultório e escola).
Destaca os entrevistados e as informações importantes para o caso e informa os instrumentos utilizados para atender a hipótese diagnóstica. Para melhor entendimento do leitor, os instrumentos são apresentados em um quadro que os descrevem, assim como às dimensões avaliadas e seus autores.
O terceiro capítulo apresenta o setting, termo criado por Freud que refletia a necessidade de explorar tanto os arranjos materiais quanto as dimensões psíquicas do processo, ou seja, estrutura metafórica para conceituar as ligações entre paciente e analista – conjunto de procedimento que organiza, padroniza e permite o processo terapêutico.
O setting pode ser visto como uma cena em que o passado do paciente pode estar presente, é o lugar do cuidado, o lugar onde a relação terapêutica é desenvolvida, “local de trânsito dinâmico entre os elementos vitais e interativos”. O objetivo é garantir um ambiente onde o paciente esteja organizado para falar de si para que o processo ocorra.
Medindo a febre é o tema do capítulo quatro. Saber ouvir e conduzir um processo investigativo expressa o “medir a febre”; é estabelecer essa propedêutica e garantir um fazer clínico. O termo clínico pode ser usado de forma mais abrangente para descrever as funções profissionais que estão diretamente envolvidas com o paciente.
O bom clínico é econômico em suas perguntas; prioriza a escuta, observa o comportamento e busca associar o conteúdo verbalizado ao seu conhecimento teórico e prático. Para tanto, é necessária uma relação empática.
O quinto capítulo trata do vínculo ou rapport. Este pode ser compreendido por um relacionamento cordial, relaxado, de entendimento, aceitação e compatibilidade simpática mútua entre duas ou mais pessoas, assim, é considerado uma habilidade fundamental no trabalho clínico.
Quando aplicado de maneira eficaz, favorece a colaboração do paciente e o encoraja a responder de modo satisfatório os objetivos dos testes e instrumentos avaliativos, assim como, permite o relato sincero. Pode-se dizer que é o ingrediente secreto que nos faz sentir uma ligação tangível e harmoniosa com a outra pessoa.
Entrevista clínica é o objeto do sexto capítulo. A entrevista clínica é a principal ferramenta diagnóstica do profissional de saúde e, principalmente, do psicoterapeuta; sendo assim, é o elemento-chave na constituição da relação clínico-paciente.
Diversas são as técnicas existentes, cada uma pertinente ao objetivo proposto na intervenção; desde abordagens mais abertas até métodos mais restritos, a saber: não estruturada, semiestruturada e estruturada. A escolha da entrevista vai depender da sua finalidade e o resultado depende amplamente do conhecimento e da habilidade do profissional que a realiza.
O capítulo 7 aborda a observação clínica, que pode ser descrita como uma metodologia da observação sistemática do comportamento humano de uma determinada pessoa. Além disso, são essenciais para dar sentido aos resultados de um teste e fornecer uma compreensão mais clara do que é investigado.
O fundamental da observação clínica é fornecer uma hipótese diagnóstica e o clínico assumir uma postura compreensiva, interativa e fundamentalmente não determinista. O desenvolvimento da habilidade de observar um paciente é imprescindível para o profissional da neuropsicopedagogia, pois, além de ser uma habilidade fundamental para os clínicos, pode afetar de maneira consistente os resultados dos pacientes.
Anamnese é o que se discute no oitavo capítulo. Anamnese é uma entrevista com objetivo e finalidade bem delimitados e que foi historicamente elaborada com o intuito de direcionar o olhar do profissional de saúde para a doença.
É um conjunto formalizado dos dados clínicos mais importantes de um paciente para garantir uma assistência clínica segura e contínua, tanto emergencial quanto planejada; dessa forma, é o elemento central no estabelecimento do diagnóstico. Ela é adequada para a triagem e deve ser realizada pelo investigador clínico de forma padronizada.
O nono capítulo discorre sobre a sensibilidade e especificidade que são formas de indicar a precisão do teste ou medida, o que determina quão importante é conhecer e compreender as implicações clínicas desses dois valores quando ambicionamos testar hipóteses diagnósticas, já que são características intrínsecas do teste diagnóstico.
Toda avaliação neuropsicopedagógica que se ambiciona realizar devem aspirar a sensibilidade, para assim aferir diagnósticos, quando necessário.
No que se refere à especificidade, essa deve ser empregada de modo prudente na devolutiva do laudo neuropsicopedagógico. É preciso ter segurança na avaliação clínica, e para essa segurança existir, temos nos indicadores sensibilidade e especificidade a certeza de que estamos diante uma disfunção ou transtorno.
O capítulo 10 aborda o diagnóstico diferencial que é parte fundamental da clínica, complexa e significativamente importante, e é comum que seja obtido com base em avaliações multidisciplinares abrangentes, pois só desta maneira que podemos realizar a distinção entre duas ou mais condições que apresentam sintomas ou atributos semelhantes.
O diagnóstico diferencial é desafiador e crítico por conta do que deve poder distinguir uma condição específica de outras que têm características clínicas semelhantes.
Para finalizar a obra, o capítulo 11 discorre sobre a entrevista devolutiva. A devolutiva de um documento técnico é a forma que temos de entregar um texto técnico acerca de toda a investigação clínica, portanto, precisa ser compreensível, claro e conciso, ou seja, precisa ter leiturabilidade.
A entrevista devolutiva é utilizada para comunicar resultados obtidos pela investigação realizada, aos interessados pelo processo, por meio de devolutiva verbal ou pelo subsídio de um documento redigido. Neste e em demais capítulos, o autor oferece pontos de reflexão e sugestões de leituras para aprofundamento dos temas.
A obra proporciona linguagem fácil e objetiva que contribui para uma visão de atuação do neuropsicopedagogo na perspectiva clínica, vai costurando cada capítulo ao caso clínico apresentado. Oferece elementos como conceitos científicos, termos técnicos e estudos de casos que auxiliam os profissionais que desejam atuar na área.
Marlene Alves da Silva
Psicóloga clínica, Pós-doutorado em psicologia clínica pela USP, Mestre e doutora em Psicologia com ênfase em avaliação psicológica pela USF. Especialista em Saúde Mental pela UFRJ, especialista em avaliação psicológica e psicologia do trânsito pelo CFP; Diretora da Clínica Fênix e da Orient Consultoria – Produtos e Soluções em Psicologia, professora convidada em cursos de graduação e pós-graduação latu sensu; pesquisadora da área de avaliação psicológica, clínica, trânsito.
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