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Violência sexual: a escuta psicológica de crianças em situação judicial e clínica

**Descrição resumida da imagem:** Capa do livro "Violência Sexual - A Escuta Psicológica de Crianças em Situação Judicial e Clínica", de autoria de Manuelo Biacchi Eloy. O design apresenta um urso de pelúcia em tons de cinza, simbolizando vulnerabilidade e infância, enquanto o título está destacado em letras grandes e brancas, transmitindo gravidade e seriedade ao tema. A imagem evoca um sentimento de proteção e cuidado, alinhando-se ao propósito sensível do conteúdo do livro.

por Rayssa Osório Menezes

Consuelo Biacchi Eloy, uma das primeiras psicólogas do Tribunal de Justiça de São Paulo, dedicou o seu trabalho profissional às dores das crianças e adolescentes. Nesse encontro deparou-se com a violência sexual nas varas criminais, de família e da infância e da adolescência. Para ela, estudar o fenômeno da violência é uma prática contínua e que desvela seus diferentes mecanismos, preparando para a escuta de casos específicos e únicos.

A escuta das dores, das perdas, dos medos e das incertezas das pessoas, assim como, da fragilidade do testemunho das crianças vítimas de violência sexual, por vezes, ocasionada pelo próprio sistema de notificação desse crime e pela incredulidade no discurso da vítima, é importante desenvolver habilidades para compreender e distinguir o que elas dizem por indução dos adultos, por fantasiosidade excessiva ou por características culturais ou etárias.

Cabe ao profissional oferecer uma escuta sem sofrimento e que realmente beneficie a criança na ressignificação de sua história, seja ela verdadeira ou não. A escuta cuidadosa e protetiva deve fazer parte das salas de audiência, na tomada de depoimentos, na compreensão do depoimento especial e nos resultados que finalizam as sentenças judiciais. Com esses pensamentos e os referenciais da psicanálise, a autora edita esse livro composto por seis capítulos que fundamentam a reflexão sobre a intensidade das consequências da violência sexual.

Capa do livro Violência Sexual: A Escuta Psicológica de Crianças em Situação Judicial e ClínicaA violência e a sexualidade infantis é o tema do primeiro capítulo. Conceituar o fenômeno da violência e compreender suas armadilhas e dinâmicas é o primeiro passo para disponibilidade à escuta das vítimas e, também, dos agressores. A violência aparece quando a relação extrapola as liberdades individuais e se transforma em dominação. O ato de dominar exige a submissão de uma pessoa ao desejo absoluto de outra e os mecanismos que o opressor utiliza para garantir tal submissão.

Esse tipo de violência está presente em toda a sociedade, e não há limites geográficos, socioeconômicos e culturais para que ela se manifeste. A autora faz uma reflexão com o pensamento de vários autores sobre a violência de forma geral e a violência intra e extrafamiliar e o processo abusivo, e encerra o capítulo com a prevenção da violência sexual contra a criança.

O capítulo dois apresenta a psicologia e a escuta judicial de crianças. A construção do espaço de escuta da criança é uma nova dinâmica sociojurídica e é questionado, desde o início da década de 1970, no âmbito judicial e extrajudicial, com fundamentos em estudos e pesquisas sobre os prejuízos sociais e psíquicos decorrentes da violência sexual.

O procedimento de escuta de crianças utilizados nos tribunais, o depoimento especial com a nova dinâmica do testemunho, da inquirição e entrevista psicológica da criança com diferentes interesses, são os pontos de reflexão que percorrem pela representação dos juízes com relação ao papel exercido pelo profissional de psicologia nos tribunais, pelas implicações éticas do uso de técnicas de entrevista e de observação, por autores consagrados e por leis jurídicas, por  resoluções e orientações do Conselho Federal de Psicologia.

A especificidade da entrevista psicológica é o tópico do terceiro capítulo. Na esfera jurídica, o profissional de psicologia realiza entrevistas para a elaboração de relatórios de avaliação psicológica. Além da tomada de depoimento especial, há muitos casos nos quais o profissional se depara com o discurso da criança sobre violência sexual, e é convocado a dar seu parecer. O bom uso das técnicas de entrevista garante uma recolha de dados éticos e eficazes, sem revitimizar a criança.

A entrevista psicológica realizada na instituição judiciária é investigativa e recolhe dados para posterior análise, dando enfoque à problemática que motivou o processo judicial. Nesse sentido, é importante que os operadores do Direito compreendam que há um saber específico da psicologia como a comunicação na entrevista, as fases da entrevista e a elaboração de perguntas, assim como, as condições para a entrevista e a entrevista com a criança vítima de abuso sexual.

A infância interrogada é o tema do quarto capítulo. As declarações da criança vítima de violência sexual são tomadas judicialmente a fim de colher informações para indícios de prova. No entanto, o processo abusivo a que ela foi submetida normalmente a impede de descrever com espontaneidade e desenvoltura o que vivenciou, dificultando aos operadores do Direito compreender o que realmente aconteceu, portanto, foi reconhecido e exigido a interdisciplinaridade das ações.

A palavra da criança nos casos de violência sexual e a perícia psicológica, assim como a violência sexual contra a criança faz parte do processo de avaliação psicológica – denominada de perícia no processo judicial – realizada em um curto espaço de tempo, refere-se ao caráter técnico da condição do profissional de psicologia diante das determinações dos juízes.

O capítulo cinco destina-se à escuta clínica da criança vítima de violência sexual. A significação da violência sexual para a criança, essa acontece em segredo e exige da criança um esforço interno contínuo para que se mantenha psiquicamente integrada durante todo o processo abusivo. No momento em que não suporta mais as contradições e conflitos impostos por esse tipo de violência, a criança transborda em sintomas. A função da psicoterapia é trabalhar com o paciente a identificação desses gatilhos e sintomas e capacitá-los a lidar com eles.

As figuras representativas para a criança precisam ser identificadas em suas manifestações no setting terapêutico. Assim como, o agressor ocupa um lugar de fala da criança, pois além de ser o perpetrador da violência vivenciada, inscreve sua significação nos componentes afetivos e traumáticos dela. Utilizar como estratégias clínicas a análise e supervisão é importante para o analista.

Considerações finais encerra a obra. A escuta de crianças, em suas diferentes formas, exige respeito à condição de infância e suas peculiaridades. A compreensão e o acolhimento são aspectos necessários ao adulto que escuta, seja um familiar ou um profissional, sendo importante que ambos estejam conscientes disso.

A experiência devastadora da violência sexual, que rompe brutalmente o processo de desenvolvimento psicossexual, da criança que transita precocemente pelo mundo do adulto, vai depender dos procedimentos seguintes à sua queixa para o sucesso de seus deslocamentos pela vida, por isso, o encontro com profissionais comprometidos e éticos contribuirá para a manutenção de seu desejo de ser, amando-se e superando-se.

O livro tem linguagem clara, objetiva e reflexiva, embora trate de temas legais. E, ainda, oferece estratégias para desenvolver a habilidade na escuta jurídica, além de não ser restrito ao profissional de psicologia. Portanto, é uma obra indicada a todas as pessoas que se interessam pelo tema.

Orient Consultoria de Psicologia LTDA

Rayssa Osório Menezes

Médica Pediatra, Pós- graduação em ecocardiografia pediátrica pelo Instituto Lilian Lopes, Especialista em Cardiologia Pediátrica pelo HPP – PR; Preceptora da Residência Médica de Pediatria de Vitória da Conquista – BA.

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