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Proposta de intervenção através do programa WAY2FLOW no estresse e resiliência de adultos

Planta crescendo em meio ao deserto

O presente artigo tem por objetivo compartilhar a nossa experiência de construção, implementação e avaliação de um programa para gerenciamento do estresse e desenvolvimento de resiliência durante o mês de fevereiro de 2022. O programa intitulado Way2Flow foi parte do trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em neurociência da Simone.

Antes de sua implementação, tivemos a oportunidade de qualificá-lo, através do programa SaBio Empreendedor, ação promovida no âmbito da parceria entre a UFRGS E UFCSPA, cujo objetivo é promover o desenvolvimento de competências empreendedoras para negócios inovadores baseados em pesquisas científicas nas áreas de saúde e biotecnologia.

 

Nossas motivações

O mundo em constante transformação, especialmente após a pandemia, exigiu cada vez mais dos recursos psicofisiológicos das pessoas para enfrentar esses desafios. O treinamento Way2Flow para gerenciamento do estresse e desenvolvimento de resiliência nasceu do nosso desejo de contribuir para reduzir o sofrimento das pessoas, aumentar o bem-estar e a resiliência pessoal frente a eventos adversos.

Partimos do conceito de resiliência como “a capacidade de renascer da adversidade fortalecido e com mais recursos. É um processo ativo de resistência, reestruturação e crescimento em resposta à crise e ao desafio. Engloba mais do que apenas sobreviver, atravessar ou fugir de uma provação angustiante” (Walsh, 2005).

 

O programa

O programa denominado Way2Flow consiste na aplicação de um protocolo de treinamentos diários que contemplam: uma técnica de respiração guiada e na sequência, a escuta de áudio de meditação com conteúdo reflexivo que ajuda a desenvolver cada um  dos pilares da resiliência, segundo a Escala dos Pilares da Resiliência (EPR) .

O programa incluiu leituras de citações da filosofia estoica (dimensão cognitiva) e práticas de respiração diafragmática (dimensão psicofisiológica), com o objetivo de diversificar estratégias e facilitar tanto o engajamento no treinamento quanto a mudança pessoal.

As pessoas foram convidadas a participar através de publicações nas redes sociais. Para selecionar os interessados que ficariam no programa, estabelecemos uma pontuação de corte de 25 na Escala de Estresse Percebido, cujo escore máximo é 40.

Feita a seleção, os participantes assinaram os termos de consentimento e responderam aos testes virtuais a seguir, que foram reaplicados no término do programa, com o objetivo de avaliar os resultados obtidos: Escala de Estresse Percebido (EPS-10; Escala de Pilares de Resiliência (EPR) e Bateria de testes on-line de atenção (AOL-A, AOL-C e AOL-D).

Os instrumentos foram selecionados após extensa pesquisa em artigos científicos, de acordo com os seguintes critérios: validação no país, praticidade na aplicação, avaliação de resultados em modo remoto e aspectos considerados treináveis (pilares da resiliência, atenção e percepção do estresse). Toda a bateria de testes e inventários exigiam aproximadamente 40 minutos para preenchimento.

 

O programa Way2Flow na prática

Após a aplicação dos testes, implementamos o programa propriamente dito. Uma ferramenta on-line foi utilizada, focada no treinamento de atenção na respiração diafragmática para facilitar a prática de respiração e das reflexões sobre os pilares da resiliência, que deveriam ser feitas diariamente, com duração em torno de 10 minutos.

O envio das mensagens foi feito diariamente pelo WhatsApp. O sistema fazia o registro das práticas realizadas e enviava lembretes caso o participante não realizasse sua prática do dia. Estes registros foram computados ao final do treinamento visando complementar a análise estatística final.

 

Sobre a participação

O número de participantes que começaram o programa foi de 47 pessoas. Deste montante, 31 finalizaram (65%), conseguindo atender os critérios de 60% ou mais de práticas realizadas e responder os instrumentos. O percentual de adesão na primeira semana foi em torno de 80%, ocorrendo diminuição progressiva, ficando em torno de 42% na última semana do programa.

 

Resultados observados por meio da prática

Nas últimas décadas, tem crescido o interesse no conceito de resiliência e se os programas de treinamento podem aumentar a resiliência individual e proteger o bem-estar geral.

O programa Way2Flow para gerenciamento do estresse e desenvolvimento de resiliência foi estruturado a partir de diversos estudos, que sugerem que o treinamento de resiliência baseado na implementação de mecanismos de enfrentamento adaptativo, particularmente práticas de mindfulness e/ou habilidades cognitivas e comportamentais, podem ser capazes de aumentar a resiliência (Joyce et al., 2018; Bonanno; Burton, 2013).

Sendo assim, o programa baseou-se em estratégias reflexivas (leitura e escrita a partir de textos da filosofia estoica) com o objetivo de promover a reestruturação cognitiva, da respiração diafragmática (com áudio dirigido) para aumentar a adaptabilidade psicofisiológica e contou com o apoio de uma ferramenta virtual para facilitar o engajamento.

O programa Way2Flow mostrou-se eficaz no treinamento da resiliência, ao comparar os escores dos participantes na Escala dos Pilares da Resiliência antes e após a implementação do programa: a variação na soma geral dos escores alcançou resultado positivo, com 7,3% de aumento a nível global. Porém, individualmente 6 de 11 pilares tiveram variação positiva: Autoconfiança (AC) 14,3%, Controle Emocional (CE) 10,3%, Orientação Positiva para o Futuro (OPF) 10,1%, Bom Humor (BH) 8,2%, Autoeficácia (AE) 7,5% e Independência/Autonomia (I) 7,3%.

No que se refere às respostas da modulação do estresse em adultos, pesquisas sugerem que lidar com os eventos estressores provavelmente inclui (mas não está limitado a): adaptação fisiológica, reenquadramento cognitivo emocional da experiência e está associado ao senso de autoeficácia (Joyce et al., 2018). O programa Way2Flow mostrou ser eficaz para promover a modulação do estresse dos participantes ao compararmos os resultados da escala de Estresse Percebido antes e após a implementação do Programa: houve mudança, variando de escore médio de 28,74 para 18,94, representando uma variação de 34% de redução de percepção do estresse.

Vale ainda destacar que, analisando os itens da escala de maneira individual, a maior variação positiva se deu em relação ao item 10 que trata da percepção de problemas e capacidade de lidar com eles, a segunda maior variação foi em relação a capacidade de condução da vida (item 2) e a terceira maior variação diz respeito à diminuição da irritabilidade por fatos externos fora de controle (item 9), estes destaques denotam maior capacidade de autocondução, ou seja, menos reatividade e maior autocontrole.

O senso de autoeficácia, apesar de ser um pilar importante para a adesão ao treinamento conforme literatura consultada, também apresentou variação positiva (7,5%) após o seu término. As crenças de autoeficácia são relevantes para a resiliência, mas também podem ser aprimoradas a partir do treinamento Way2Flow.

Diversos autores citam evidências de que uma reação emocional a um estressor depende de cada indivíduo, de sua interpretação subjetiva do evento, como sugeria Epicteto, da escola filosófica na qual o programa Way2Flow baseou-se: “o problema não é o que acontece, mas o seu julgamento sobre os acontecimentos”. A interpretação dos acontecimentos depende da capacidade de direcionar a atenção para fatores mais positivos, minimizando o impacto negativo dos eventos estressores.

O treino de controle de atenção tem sido enfatizado como uma qualidade de resiliência por vários autores (Badura-Brack et al., 2015;  Paulus; Aupperle, 2015). Da mesma forma, estudos mostraram que o treinamento da atenção, como por exemplo, na respiração, atenua o impacto de situações de alto estresse na memória de trabalho (Badura-Brack et al., 2015;  Paulus; Aupperle, 2015).

Aqui entra o papel da atenção do indivíduo sobre o significado atribuído a qualquer situação e a razão pela qual utilizamos a prática da respiração diafragmática no treinamento Way2Flow como um treino de atenção.

A prática da respiração diafragmática, na qual a atenção do praticante é fixada no movimento do abdômen, que expande ao inspirar e contrai ao expirar, sendo a expiração mais prolongada que a inspiração, foi incluída no Programa Way2Flow por possibilitar efeitos positivos sobre o equilíbrio do organismo e longevidade, e por estar associada ao aumento da atividade vagal (tônus vagal) e a consequente melhoria da modulação da capacidade de resposta autonômica a perturbações físicas (Russo et al. 2017).

Essa prática também mostrou ter efeitos positivos no monitoramento de erros, importante na adaptação comportamental e na conectividade funcional em redes cerebrais associadas à regulação, dois aspectos necessários no processo de desenvolvimento da resiliência (Hoffmann, 2019; Mather; Thayer, 2018). Alguns autores encontraram em suas pesquisas um aumento da pontuação da atenção sustentada e a diminuição da pontuação de afeto negativo com essa prática de respiração.

No que se refere aos testes de atenção utilizados no programa, os seguintes resultados foram obtidos: os escores nos testes de Atenção Concentrada e Alternada, mais relevantes para o processo resiliente, foram estatisticamente significativos variando 9,8% de melhoria na primeira e 5,7% para a segunda.

A Atenção Dividida não apresentou mudança significativa. Esses resultados podem estar relacionados à frequência das práticas de respiração diafragmática durante o programa: 45% dos participantes responderam que praticaram “muito”, 35% “bastante” e 20% “médio” ao responder a uma pergunta fechada (nada, pouco, médio, bastante e muito). Nenhum dos treinantes respondeu que praticou “pouco” ou “nada”.

Nesse caso um treinamento isolado da prática da respiração poderá revelar resultados específicos sobre cada estratégia utilizada.

Em relação a outros benefícios da prática da respiração diafragmática, 95% dos participantes associaram sua prática à redução do estresse, 80% à regulação emocional, 75% à modificação dos pensamentos, 60% ao aumento da resiliência, 5% à redução da ansiedade e aumento da tranquilidade.

As práticas que promovem a reestruturação cognitiva, que no caso do programa Way2Flow foram as práticas reflexivas de leitura e escrita, têm por objetivo alcançar uma regulação emocional que envolve aprender a lidar com os eventos desafiadores sem se desgastar excessivamente (Lipp, 2019).

A inclusão dessas práticas no treinamento partiu de diferentes estudos sobre os efeitos positivos da escrita expressiva no tratamento de traumas: melhora da resiliência e percepção do estresse, efeitos na saúde física (pressão arterial, dor crônica, função pulmonar, hepática e imunológica), maior atividade no córtex pré-frontal ventrolateral direito e a redução da atividade da amígdala, que repercutiram nas medidas de satisfação com a vida e depressão, respectivamente (Glass et al, 2018; Memarian et al., 2017; Bechard et al. 2021).

O programa Way2Flow utilizou os conceitos da filosofia estoica, da neurociência e da terapia cognitivo comportamental para promover a reestruturação cognitiva e incentivar a reflexão sobre a aplicação dos pilares da resiliência.

Considerando a utilização de estratégias combinadas – respiração, leitura e escrita -, não é possível afirmar qual delas teve maior eficácia, mas as tarefas escritas parecem ter sido a estratégia menos utilizada pelos participantes do programa: após o término do treinamento, apenas 10% referiram fazer anotações, 25% disseram ter feito “poucas vezes” e 35% marcaram “nenhuma vez”.

Em relação às leituras, quando questionados em pergunta fechada (sim, não, talvez) se observaram alguma mudança de hábito, comportamento ou pensamento a partir dos textos, 75% dos participantes responderam “sim” e 25% responderam “talvez”.

Ao serem solicitados para exemplificar, em pergunta aberta, responderam: redução da necessidade de controlar os eventos externos, mais calma diante das adversidades, entendimento da resiliência, maior concentração, persistência e melhora do humor, dentre outras. Nas respostas às perguntas abertas para avaliar o programa, posteriormente caberá uma análise qualitativa do conteúdo, que foi riquíssimo, por exemplo:

Acredito que as mudanças que experenciei são fruto do conjunto de práticas do programa”.

“…os textos levantaram pontos importantes para ampliar minha visão e questionar pensamentos fixos. …estou menos rígida, com um pensamento muito mais flexível e com orientação mais positiva para resolução de problemas e conflitos externos e internos.”

“Tenho picos de ansiedade durante o dia com a sensação de não dar conta das tarefas. Com os exercícios a reação ficou menor. Utilizo a respiração para retomar o conforto. Me ajuda muito a reduzir a sensação de falta de energia”.

“A meditação, o diário e o exercício me ajudam a ser mais confiante”.

 

Conclusão

Os resultados obtidos confirmaram nossa hipótese de que um programa de treinamento do tipo mente-corpo, neste caso, com treinos de respiração guiada com áudios e questionamentos reflexivos, melhoraram a percepção do estresse, parâmetros de atenção (alternada e dividida) e pilares de resiliência.

Notadamente a maior variação positiva se deu na redução da percepção do estresse e em alguns pilares específicos de resiliência. A análise qualitativa do conteúdo poderá trazer outros resultados relevantes. Pesquisas posteriores tornam-se necessárias para avaliar separadamente a contribuição do treino de respiração e dos áudios reflexivos, e desta forma correlacionar com maior fidedignidade a influência de cada tipo de prática nos resultados obtidos.

O principal desafio desse tipo de programa reside no engajamento e nesse sentido, a utilização de ferramentas virtuais será cada vez mais necessária.  Nesse sentido, abre-se um campo investigativo para novas pesquisas que poderão aumentar a eficiência dos programas de treinamento desta natureza, refletindo assim positivamente na qualidade de vida e produtividade das pessoas.

Simone Grohs, psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduada em Neurociência e o Futuro Sustentado de Pessoas e Organizações pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.

Hector Nievas, psicólogo graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), especialista em terapia Cognitivo-Comportamental pela mesma universidade.

Referências

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Bechard, E., Evans, J., Cho, E., Lin, Y., Kozhumam, A., Jones, J., Glass, O. (2021). Feasibility, acceptability, and potential effectiveness of an online expressive writing intervention for COVID-19 resilience. Complementary Therapies in Clinical Practice, 45, 101460. doi:10.1016/j.ctcp.2021.101460
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