por Lucy Leal Melo-Silva, Professora Sênior do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
O livro Psicologia da carreira: fundamentos e perspectivas da psicologia organizacional e do trabalho (Vol. 1) foi lançado recentemente (2021) pela Vetor Editora, objetivando sistematizar o arcabouço teórico da Psicologia da Carreira na perspectiva da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT).
Este volume foi organizado pelas professoras e pesquisadoras Lígia Carolina Oliveira Silva (Universidade Federal de Uberlândia [UFU]) e Elziane Bouzada Dias Campos (Consultora e Diretora de Pesquisa & Aprendizagem da Workalove: plataforma de sucesso do estudante). Este livro, primeiro volume de dois, objetiva mostrar a área de orientação, desenvolvimento e planejamento de carreira. O livro é fortemente recomendado para profissionais, docentes e estudantes de Psicologia, Administração e Recursos Humanos.
A apresentação da obra é feita por Jairo Eduardo Borges-Andrade (Docente colaborador sênior da Universidade de Brasília [UnB] e Pesquisador 1A do CNPq). O professor, um ícone na área de POT, apresenta o panorama brasileiro e a trajetória histórica da área em três vertentes: Psicologias do Trabalho e Organizacional e Gestão da Carreira. Aborda o comportamento organizacional nos três níveis: micro (indivíduos), meso (equipes) e macro (organizações).
O comportamento organizacional é abordado com referências a estudos de revisão da literatura e às similaridades e convergências com estudos sobre Carreira, presentes neste volume, anunciando o foco do segundo volume nos campos de aplicação do conhecimento, ou seja, voltados às práticas. Os dois volumes se complementam, convidando profissionais e investigadores para a imersão no campo de interface no domínio da Carreira.
Este volume estrutura-se em três partes. A primeira trata do “panorama teórico em carreira”, com um capítulo. A segunda parte focaliza “indivíduos e carreiras” e se organiza em quatro capítulos. A terceira parte trata das “organizações e carreiras” em cinco capítulos.
I PARTE
A Parte 1: Panorama teórico em carreira contém um capítulo intitulado Carreira: panorama dos principais enfoques teóricos. A autoria é de Marcelo Afonso Ribeiro, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, coordenador do Grupo de Trabalho (GT) da Associação Nacional de pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), denominado Carreiras: Informação, Orientação e Aconselhamento, e membro da Associação Brasileira de Orientação Profissional (ABOP).
No primeiro capítulo, o Professor Marcelo faz uma contextualização sobre a Carreira. Trata-se de um capítulo didático e relevante para a compreensão teórica de como o construto se insere nos domínios da: a) Psicologia das Organizações e do Trabalho, bem como da Administração, nos quais a Carreira é tratada como artefato administrativo (dimensão objetiva), para fins de gestão de pessoas; e b) Psicologia Vocacional, denominada na contemporaneidade de Psicologia das Carreiras, no qual a Carreira é entendida como posição da pessoa no mundo (dimensão subjetiva), ou seja, como análise do processo psicossocial para fins de orientação e aconselhamento de carreira em diversos cenários e contextos.
Diferentes enfoques, nos dois campos, são descritos e sintetizados didaticamente em tabelas, mostrando maior desenvolvimento de teorias no campo da orientação e aconselhamento de carreira. Ao final, o professor mostra as convergências entre as duas subáreas da Psicologia, ressaltando a relevância de uma agenda de pesquisa conjunta.
II PARTE
A Parte 2: Indivíduos e carreiras organizam-se em quatro capítulos. O Capítulo 2, Realização profissional: a importância das metas de carreira, é de autoria de Lígia Carolina Oliveira-Silva (UFU) e de Juliana Barreiros Porto (Universidade de Brasília [UnB]). As autoras abordam as origens históricas e epistemológicas do construto realização profissional, os fundamentos teóricos-conceituais e a relação da realização profissional com construtos positivos na carreira e no trabalho. Discutem um modelo de realização profissional que envolve teoria de metas e valores, conteúdo e avaliação do alcance das metas, em uma perspectiva integrativa.
O Capítulo 3 intitula-se Calling: um novo conceito de vocação? A autoria é de Lígia Carolina Oliveira-Silva (UFU), Pablo Stuart Fernandes Carvalho (Instituto de Educação Superior de Brasília [IESB]) e Jeanine Ângela Vieira Zagheto (Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e do Trabalho da UnB). Os autores tratam das conceitualizações do termo “chamado”, articulando-o com “vocação”, no entendimento de que ambos abarcam componentes como propósito e significado. Destacam a distinção entre perceber um chamado e viver um chamado, que se correlaciona com compromisso na carreira, significado de trabalho e satisfação da vida, e se associa com o sucesso subjetivo e o melhor desempenho no trabalho. Trata-se de um conceito pouco conhecido no Brasil e que precisa ser compreendido em relação ao termo vocação.
O Capítulo 4, Conflito trabalho-família e conexões com a carreira, é de autoria de Alexsandro Luiz de Andrade (Universidade Federal do Espírito Santo [Ufes]) e Manoela Ziebell de Oliveira (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [PUCRS]). O capítulo aborda as dimensões trabalho e família considerando as características pessoais, o contexto e o tempo no qual o fenômeno ocorre, apresentando os modelos bidirecional e multidimensional do conflito. Também versa sobre causas e consequências do conflito, como ele se configura no Brasil, e as implicações para a prática e a pesquisa. Em tempos de pandemia, trata-se de uma temática relevante para estudos e aplicações práticas.
O Capítulo 5, Mulheres e carreira: contexto, obstáculos e ascensão, é de autoria de Lígia Carolina Oliveira-Silva (UFU), Suzane de Carvalho da Vitória de Barros e Luciana Mourão Cerqueira e Silva (ambas da Universidade Salgado de Oliveira [Universo]). As professoras abordam a construção da carreira das mulheres em quatro eixos: estereótipos de gênero, interface trabalho-família, escolhas acadêmicas e profissionais, e desenvolvimento e ascensão profissional. Finalizam o capítulo propondo uma agenda de pesquisa.
A Parte 3: Organizações e Carreira é organizada em cinco capítulos.
O Capítulo 6 intitula-se Organizações, trabalho e carreira: contexto no qual se movimentam trabalhadores neste primeiro quarto de século. Autoria de Adriano de Lemos Alves Peixoto (Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia [UFBA]) e Antônio Virgílio Bittencourt Bastos (Docente no Instituto de Psicologia da UFBA). O capítulo está organizado em quatro eixos. O primeiro aborda as transformações no mundo das organizações e do trabalho; o segundo trata das mudanças socioeconômicas, tecnológicas e culturais; o terceiro analisa o impacto das mudanças na estrutura e nos padrões ocupacionais, incluindo as visões otimistas e pessimistas sobre as transformações dos postos de trabalho; o quarto discute os ajustamentos nos níveis macro e micro organizacionais. Na conclusão, os autores apontam o avanço da consciência de cidadania, visando o desenvolvimento do indivíduo como agente ativo de sua própria história.
O Capítulo 7 intitula-se Organizações, desenvolvimento profissional e carreira. Autoria de Elziane Bouzada Dias Campos (Consultora e Diretora de Pesquisa & Aprendizagem da Workalove), Ludymila Pimenta Ferreira (RHlab – Laboratório de construção do futuro do trabalho) e Lana Montezano (Doutoranda em Administração pela UnB). O capítulo trata das competências organizacionais e individuais, focalizando-as nos níveis micro (indivíduo), meso (equipes) e macro (organização). Aborda, também, a construção de planos de desenvolvimento individual, com destaque para o modelo de gestão por competências, as etapas de aprendizagem e de avaliação.
O Capítulo 8 intitula-se Desenvolvimento profissional e de carreira, de autoria de Luciana Mourão Cerqueira e Silva (Universo). O capítulo está organizado em seções, versando sobre conceitos, modelos, investimentos no Brasil e no mundo, e cenários e tendências relativos à temática. São abordados quatro modelos de aprendizagem: experiencial, social, no trabalho e de desenvolvimento profissional transocupacional, articulados com o construto desenvolvimento de carreira. O investimento em desenvolvimento profissional é pequeno no Brasil, ainda que crescente. Como tendências, a autora aponta a necessidade de desenvolvimento de competências como adaptação a novas situações e a habilidade para lidar com as tecnologias. Finaliza reforçando a posição consagrada de que o desenvolvimento da carreira é processual e se dá ao longo da vida.
O Capítulo 9, denominado Trajetórias de carreira nas organizações, uma contribuição de Joel Souza Dutra (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo [FEA-USP]), organiza-se em três eixos. O primeiro aborda o papel das pessoas na gestão de carreira, apontando equívocos relativos à visão restrita de oportunidades, as armadilhas profissionais e a falta de foco, destacando que projetos profissionais conscientes minimizam riscos. O segundo eixo aborda trajetórias de carreira, entendida como uma sequência de posições e de trabalhos nas organizações. O terceiro eixo trata de referenciais estáveis para a gestão de pessoa. Exemplos de trajetórias estáveis são mencionados, tais como: operacional, técnica, de suporte, gerencial e comercial, a depender da natureza da empresa. Aborda a gestão de pessoas pela empresa, com base em trajetórias e remuneração, a carreira objetiva. E finaliza destacando a crescente valorização da carreira subjetiva, baseada em valores, atitudes e motivações, o que remete ao primeiro capítulo.
O Capítulo 10 intitula-se Qualidade de vida, bem-estar no trabalho e carreiras, e é de autoria de Sinésio Gomide Júnior e Aurea de Fátima Oliveira (ambos da UFU). Os autores resgatam o histórico de investigações sobre bem-estar e qualidade de vida no trabalho, em geral, e em ambientes corporativos. Refletem sobre as temáticas com base na concepção de saúde como um continuum, da presença à doença. Tratam das questões conceituais: qualidade de vida, como conceito multifacetado; e bem-estar, na perspectiva integradora como conceito multidimensional. E apresentam tendências para investigações dos construtos na relação com a carreira, tratando também dos conceitos felicidade, esperança, satisfação e sucesso na carreira.
Neste mundo Vuca – volátil, incerto, complexo e ambíguo –, com tantos desafios que se apresentam para a resolução dos problemas nos contextos das crises sanitária, econômica, política e social, todas as ocupações são afetadas, algumas serão extintas e novas já estão sendo criadas, exigindo dos trabalhadores o desenvolvimento de múltiplas competências e a capacidade de adaptação às novas configurações dos ambientes de trabalho. É para esse contexto adverso, e ao mesmo tempo desafiador, que pesquisadores e profissionais da Psicologia devem voltar a atenção para investigar e propor modelos de intervenção com foco no desenvolvimento da carreira, na perspectiva da sustentabilidade do planeta e da diminuição das desigualdades educacional, social e econômica. Este volume, assim como o segundo, constitui base para estudos, e que os trabalhos sejam estímulos para novas e promissoras publicações. A Psicologia das Carreiras continua sendo um debate contemporâneo e necessário, sobretudo na denominada Revolução 4.0.
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